terça-feira, 14 de abril de 2015

Mídia corporativa pró-imperialista detona as veias ideológicas de Eduardo Galeano



“A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Este artigo não pretende traçar a biografia do renomado escritor, mas fazer um rápido apanhado de como a mídia corporativa “homenageou” Galeano, quem por suas ideias e propostas culturais antiamericanas foi perseguido e jurado de morte pelos ditadores militares que varreram a democracia na Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Paraguai. Não poderia ser de outra forma senão espezinhando a trajetória política de intelectual progressista que combatia através da luta ideológica a sanha colonialista do império do norte e de seus consortes europeus em cima da América Latina, amiudadamente distorcendo declarações e dando asas a interpretações grotescas. Como “alvo” principal a mídia bombardeou a obra máxima de Galeano, “As veias abertas da América Latina”, qualificando-a como um “libelo esquerdista anacrônico” corroborando com a declaração do autor segundo o qual “não teria paciência para lê-la novamente”.

Não se trata de renegar a sua obra mais conhecida – tal como fez Fernando Henrique Cardoso quem afirmou “esqueçam o que escrevi” – o que Galeano disse foi que há época que redigiu o livro era muito jovem e não tinha o domínio dos principais conceitos de economia e relações internacionais, ou seja, da economia política, não tinha o preparo e maturidade para elaborar um bom texto (e fico imaginando SE fosse um texto ruim!). Tanto é verdade que novas traduções foram acompanhadas e discutidas de perto, com muito interesse pelo mestre que sempre apresenta-nos um orgulho inato, atávico, de sua obra imersa inapelavelmente na perspectiva histórica da narrativa. Dados e algumas informações mudam, mas a importância do livro para a compreensão da realidade nua e crua da América Latina isso não se altera como base teórica da divisão internacional do trabalho, onde uns países se especializam em açambarcar a riqueza alheia, e outros em serem saqueados em associação com os primeiros. “Passaram-se os séculos e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Ela já não é o reino das maravilhas em que a realidade superava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus da conquista, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região segue trabalhando como serviçal, continua existindo para satisfazer as necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos...” (As veias abertas da América Latina). Deixou claro que jamais se arrependeu de ter escrito esta obra, o que poderia ter feito era melhora-la se possível: “Não estamos vivendo a infância do capitalismo, somos um produto deformado do desenvolvimento alheio. Não há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros. O abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior do que quando eu escrevi o livro” (Estadão, 13/7/2014).

Passados quarenta anos da publicação da sua obra máxima, o que mais causa torpor na grande mídia e na opinião pública burguesa é o tom acentuadamente militante e de proximidade do marxismo que permeia o livro, o caráter de indignação quanto ao grau predatório dos imperialismos ianque e europeu ao longo da história e a clara sugestão a título de conclusão, a de que somente o socialismo poderá romper com a fronteira do colonialismo, da América Latina ser praticamente uma vendedora de commodities.

Certamente o mundo perdeu mais uma cabeça pensante que se opunha à hegemonia militar, econômica e política do imperialismo norte-americano a qual é transformada em atrocidades sobre todos os povos do planeta. O escritor, poeta, ensaísta e boêmio nos deixou, mas a sua obra, em que pese alguns equívocos, será imortalizada em nossa memória, na condição de um grande ícone e referencial político para o pensamento de esquerda.