quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

CRISE PRISIONAL BRASILEIRA: encarceramento em massa de pobres nas masmorras medievais do século XXI como expressão da luta de classes


A
crise que se abateu sobre o regime carcerário brasileiro não é de agora. Ela vem de longe! Marx e Engels trataram da criminalidade em seus estudos. Para eles, o crime é uma das peças que mantém o Estado capitalista funcionando em seu moto-perpétuo, uma necessidade transformada em uma mercadoria como outra qualquer: “O criminoso traz uma diversão à monotonia da vida burguesa; defende-a do marasmo e faz nascer essa tensão inquieta, essa mobilidade do espírito sem a qual o estímulo da concorrência acabaria por embotar. O criminoso dá, pois, novo impulso às forças produtivas…”¹. O que há de se destacar é a capacidade do atual governo (golpista) em solvê-la dentro da superestrutura monstruosa do direito penal. A mídia corporativa tenta esgotar o assunto como produto da superlotação dos presídios e o consequente domínio das facções criminosas. Nada mais falso. São apenas as consequências nefastas de toda uma estrutura social e política que remontam desde a construção do primeiro módulo prisional ainda no Brasil colônia – Casa de Correção do Rio de Janeiro (pronta em 1769)², cujo molde dá formas ao atual, ou seja, um sistema de cárcere centrista punitivo anacrônico e preconceituoso. Parece incrível, mas não houve um rompimento com o conceito de prisão oriundo da antiguidade (do Egito à época medieval) que etimologicamente significa “custódia e tortura”, ora perpetuado e desenvolvido em escala industrial!

PODER DE CLASSE E IDEOLOGIA DE ENCARCERAMENTO TOMADA DA “GUERRA ÀS DROGAS” DO IMPERIALISMO IANQUE

Claro que o governo usurpador não argui a mínima capacidade, nem moral, tampouco intelectual de superação da crise: Alexandre Morais quer tratar o problema “a porrada”, ou pior ainda, em conluio com a “bruxa” Carmen Lúcia – e a casta judicial - que acredita como solução apenas a “fiscalização”. E toma-lhe pau como resolução midiática, haja vista os vínculos promíscuos do ministro da justiça com o PCC. Pau, bala e novos presídios em detrimento de escolas... Estas são as “soluções” dos incompetentes e dos neoliberais mentecaptos que defendem a existência do “Estado mínimo” na sociedade. “Novas” penitenciárias significa perpetuar o “velho” modelo punitivo-torturante sem solucionar o problema acerca do depósito de gente.

Antes de qualquer coisa, a deterioração do sistema penitenciário é o resultado da liquidação das políticas públicas e do desmonte das atribuições do Estado, muito além de um “acidente” como fez crer o bucéfalo que se diz presidente da nação. Os quadros de terceiro e quarto escalões da burguesia organizados em máfias empurram o Brasil para o buraco e os pobres para a marginalidade e o crime organizado no hiper-rentável mercado informal das drogas. Enfim, trata-se de um fenômeno estrutural do modo de produção capitalista e ainda mais expressivo num país semicolonial.

No mundo inteiro a população carcerária beira à casa dos 11 milhões de presos. O Brasil ocupa a quarta colocação com 607 mil apenados; a segunda colocação em encarceramentos em apenas 15 anos. Em primeiro lugar estão os EUA com astronômicos 2,2 milhões de prisioneiros; depois vem a China com 1,65 milhões e Rússia com 640 mil³. “É de grande preocupação que agora existem mais de 10,35 milhões de pessoas detidas em instituições penais em todo o mundo. O que é mais preocupante é que a população carcerária mundial continua a crescer e a subir muito fortemente em algumas partes do mundo”4. Comporta números absurdos: “Mais de 10,35 milhões de pessoas são mantidas em instituições penais em todo o mundo, de acordo com a última edição da World Prison Population List (WPPL)5.

Os golpistas e a burguesia não têm moral nem
interesse em solver a crise penitenciária
Esta é a expressão mais acabada da barbárie capitalista, cuja tendência é avançar na concentração de renda para poucas pessoas e no empobrecimento das grandes massas. Oito ricaços concentram mais de 55% da riqueza global! Assim, o alvo majoritário de uma “justiça” plutocrática, de classe (burguesa) completamente apartada da realidade social e da vida cotidiana, amiúde cúmplices das facções, são as populações pobres, jovens e negras do país, as quais sofrem com o axioma prender como regra e não exceção.

Não poderia deixar de destacar que o modelo prisional brasileiro (e mundial) faz parte da chamada “guerra às drogas” desencadeada pelo imperialismo norte-americano, ou seja, perseguição e prisão em massa como paliativo midiático e que não leva a lugar algum, apenas agrava o adensamento populacional nas cadeias. Trata-se do pensamento hegemônico da linha dura proponente da segregação de quem comete algum delito, não distinguindo, por exemplo, o usuário de droga (inclusive medicinal) do grande traficante. Nem mesmo contém minimamente os assassinatos e o tráfico de drogas e armas; ao contrário, concentra o crime. Para acomodar os atuais apenados seriam necessárias pelo menos 216 mil vagas em todo o país. É a mesma solução que um paciente com obesidade mórbida se tratar alargando suas roupas... São Paulo construiu 163 unidades penais, Minas Gerais também investiu em cadeias, ambos em dez anos. Contudo, os crimes aumentaram em escala exponencial e a quantidade de presos cresceu cerca de seis vezes nesse período.

PARA OS IDIOTAS “CADEIA É UM LUXO”... PRIVACIDADE? SÓ NA SOLITÁRIA!

Logo, a principal causa da crise penitenciária não é como a mídia mainstream tenta convencer a população, segundo a qual se deve ao aumento do poder das facções dentro dos presídios. A análise da questão é bem mais fina: o conflito entre as facções é uma fantasia criada principalmente pela Rede Globo, umas das que mais consome e trafica cocaína pura no país. No cerne da questão está, como acima vimos, a indiscriminada orientação de encarceramento em massa, provocando uma imensa degradação do ambiente físico e de humanidade dos apenados. “O processo de brutalização das relações sociais, iniciado pelo capitalismo industrial, desmoralizou o homem da classe operária; esse processo teria degradado e brutalizado tanto os homens que o crime passaria a ser um índice de tal processo”6.

Cadeias são as masmorras do século XXI:
ou depósitos industriais de gente
Os presos estão sujeitos à superlotação, aos abusos policiais, à ociosidade, às doenças endêmicas (AIDS, tuberculose), à hierarquia do crime organizado no interior dos presídios, assistência jurídica inócua, celas que deveriam ter no máximo oito presos têm 40. Privacidade somente quando vai cumprir pena na solitária mais imunda do que a cela, em meio à merda, baratas e ratos... Tudo isso verte para uma profunda obsolescência funcional do modelo penal e deságua na foz da crise prisional por que passa o país. E hoje, com um governo carcomido pela corrupção e dominado por máfias que fazem acordos subterrâneos com as facções criminosas não há menor interesse de empresários e parlamentares para alterar a situação calamitosa da segurança pública, pois são partes envolvidas no staff da criminalidade funcional imanente da democracia dos ricos. Como afirma ironicamente Marx, “o crime também é útil, dado que dá lugar à polícia, ao tribunal, ao carrasco, e até mesmo ao professor que leciona direito criminal”.

PARA OS EXPLORADOS “DURA LEX SED LEX

Portanto, ao regime capitalista não interessa melhorar o sistema carcerário, uma vez que é o reprodutor das relações sociais e econômicas das superestruturas jurídicas. Uma das alternativas para diminuir a população carcerária seria a descriminalização das drogas, mas isso iria mexer com o sistema financeiro mundial por onde flui o dinheiro de uma indústria altamente lucrativa (segredos contábeis, fluxogramas etc.) do capitalismo. A droga deveria ser encarada como um problema de saúde (ou de lazer/prazer estético) e não criminal. Trilhar por este caminho passa necessariamente por imiscuir-se com as articulações políticas e econômicas dos capitalistas que envolvem, sobretudo, o crime organizado e seus tentáculos institucionais. Um dos meios para atingir esse extrato secreto do capitalismo é a abolição do segredo comercial dos grandes bancos! O mundo moderno perpetua seu modelo excludente e precisa “esconder” os elementos indesejáveis, mas necessários ao regime e ao sistema, na maioria dos casos oriundos do proletariado, do exército de desempregados e sem perspectivas que roubam para comer, ou acabam recrutados pelo crime organizado. Dura lex sed lex! Os rigores da lei estão voltados àqueles que não são parte da classe dominante, aos explorados e os pobres.

NOTAS                     

1 Karl Marx - “apud” Henri Lefebvre. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968, pp. 79 e 80).

2 Carta Régia de 8 de julho de 1769 dirigida ao marquês do Lavradio; códice 67 v. 5, fl. 31.


4 Idem.


6 LOCHE, A. A. et. al. Sociologia Jurídica: Estudos de Sociologia, Direito e Sociedade.

7 Teorias da Mais-Valia - “Da utilidade de todas as ocupações”

8 “A lei é dura, mas é a lei”