terça-feira, 19 de setembro de 2017

182 ANOS DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA: o passado nada heroico da oligarquia rio-grandense na construção mitológica do “gaúcho guerreiro”


E
m meio à profunda crise por que passa o estado do Rio Grande do Sul, consequência do modelo implantado à fórceps em nível federal pelos elementos mais reacionários e retrógrados na política nacional, os condutores do golpe constitucional que depôs o governo do PT, comemora-se a “Semana Farroupilha”. Odes são cantadas à “epopeia heroica” do povo gaúcho, sua tenacidade guerreira e seu brio nacionalista. Determinação acentuada e cultivada que coloca o ultraneoliberal Sartori para governar o estado! Veremos que a mitologia positivista criou falsos “deuses” e idealizou anseios e devaneios de classe (oligarca), de libertarismo, difundiu a ideia da “superioridade gaúcha”. Mas põe um antipovo entreguista para conduzir o estado! Além dos aspectos superestruturais (campo das ideias), a “Revolução Farroupilha” encerra inúmeros cursos ignominiosos e de derrotas tático-programáticas em razão a infantis erros estratégicos dos farroupilhas e seu imaginário no campo de batalha. A atual crise econômica faz com que o “patriotismo gaúcho” seja utilizado como medida diversionista pela mídia corporativa. Senão vejamos em uma análise bem sintética.

 
Bento Gonçalves, principal líder militar
dos farroupilhas, evidenciou sua incapacidade
em levar adiante suas reivindicações
A CAMPANHA FARROUPILHA DE CERCO A PORTO ALEGRE

O detonador da revolta, na verdade um “push” militar, o cerco militar a Porto Alegre, iniciado no dia 20 de setembro de 1835, não respondeu a um processo contínuo. Durante quatro anos foram muitas idas e vindas. Sérgio da Costa Franco1 periodiza ao menos três fases: junho a setembro de 1836; maio de 1837 a fevereiro de 1838 e, por fim, de junho de 1838 a dezembro de 1840. O primeiro foi tão mais dinâmico quanto ineficaz, uma vez que somente conseguiu submeter a população a um grande sacrifício de fome e a constantes bombardeios.

A campanha contra Porto Alegre e seu governo legalista durou quatro anos. Nesse ínterim a capital não só estagnara como se encaminhava para um retrocesso político-administrativo. Fuga em massa dos administradores municipais para Rio Grande, desabastecimento, fome, saques, roubos e assassinatos.

As tropas farroupilhas impuseram leis restritivas ao comércio dominado pelos “galegos” (portugueses) que enriqueceram com o comércio de cabotagem e, por isso, na sua concepção, deveriam ser expulsos do país. Salvo por ser o alvo da ira farroupilha, esse setor estava completamente alheio às demandas dos revoltosos caudilhos e oligarcas interioranos. A pequena população de Porto Alegre também sofrera com a campanha farroupilha, posto que lhe fora restringida sua capacidade de produzir alimentos e a liberdade de ir e vir.

Assim, de modo algum os nossos “heróis” foram acolhidos com festividades e alegria, como deixa transparecer hoje a historiografia idealista!!!

Foram pelo menos quatro anos de atraso no desenvolvimento da cidade por causa de uma estratégia militar eivada de equívocos e incapacidade de suas direções, encabeçadas por Bento Gonçalves e Antonio Netto. Atacaram um local nada estratégico, o porto da Província, ao invés de Rio Grande. A batalha foi decidida nesse quesito e vinculada a esse erro elementar!

Porto Alegre estava praticamente abandonada: as prisões estavam abarrotadas e sem controle, a fome castigava a todos, os quarteis desleixados. A desorganização prisional propiciou a que oficiais legalistas presos se articulassem dentro das cadeias, dando margem para organizarem uma reação, que aconteceu em maio de 1836, quando Bento Gonçalves ainda cercava a cidade. Entretanto, ambos os bandos em pugna deram mostras de incapacidade e falta de tino no conflito. Do lado farroupilha predominaram o despreparo, as traições e falta de objetividade; por parte dos legalistas, o isolamento e a conduta vergonhosa de alguns oficiais que preferiam fugir apavorados com as ameaças de bombardeios navais de Bento Gonçalves.

Perdurou nesse ritmo durante todo o cerco: os farroupilhas sem um comando capaz de articular uma tomada definitiva da capital; os legalistas esperando reforços da monarquia, que não chegavam. O Rio Grande do Sul ocupava um lugar secundário na visão do poder central, pois o “império” enfrentava várias outras revoltas no território brasileiro, Confederação do Equador (1824), a Cabanagem (1835-1840, no Pará), a Balaiada (1838-1841, no Maranhão), a Sabinada (1837-1838, na Bahia).

David Canabarro, responsável pelo massacre
dos Lanceiros Negros
DE SENHORES DE TERRA E IDEALISTAS PRÓ-STATUS QUO

Muito embora houvesse os embates militares durante o cerco a Porto Alegre, fica claro que os farroupilhas não foram vencidos no campo de batalha, basta ver o que foi a chamada “Paz Honrosa” (Ponche Verde) edificada sob a égide do “Império”. Para atingir este estágio foi necessário praticar um crime hediondo: David Canabarro em acordo com o “Duque de Caxias”, entregou os guerreiros negros desarmados para as tropas imperiais chaciná-los de forma infame2.

Enfim, ensejou um grande acordo com os grandes oligarcas que compunham o poder central beneplácitos do período pós-independência. Isto porque o movimento farroupilha não tinha uma estratégia programática comum. A heterogeneidade foi sua marca indelével, cuja manifestação política dava-se através de um programa liberal-latifundiário de conteúdo não urbano.

Ascendem da diversidade política, embora de uma única classe dominante, os mitos em relação à bravura e determinação política do “povo gaúcho”, os quais inserem-se neste contexto de construção ideológica concernente a concepções de classe proprietária dos meios de produção (a terra). No seio do movimento farroupilha houve quem criticasse ou se opusesse às artimanhas das negociações entre adversários. Muitos líderes importantes foram assassinados: Paulino da Fontoura, Onofre Pires (em “duelo” com Bento Gonçalves), Antônio Vicente da Fontoura, Joaquim Teixeira Nunes, o comandante dos lanceiros negros. Fatos nada faustosos, mas de pusilanimidade, traições e conspirações dentro do próprio movimento!

A ideia essencial do que representa o gaúcho em sua “essência” e característica “inata” foi forjada dentro da rusticidade semibárbara – atraso tecnológico em relação às forças produtivas – do extremo sul do país, cujas relações de produção colocava o patrão numa relação de igual ao camponês (índio, gaudério-mendigo) expulso de suas terras primitivas. Ou seja, faz crer que o grande proprietário participava das lidas do campo ao lado de seus trabalhadores e escravos. Essa noção de “igualdade” é completamente falsa, pois o gaudério e o escravo negro nada possuíam senão a sua força de trabalho.

O discurso onírico elaborado pelos positivistas nos estertores do século XIX, início do XX, tem uma função bem clara de legitimação de preservação da ordem de dominação hegemônica no campo político, social e ideológico: a economia agropecuária vinculada aos grandes latifundiários. A busca de um passado subjetivo e irreal visava justificar o predomínio deste setor oligárquico na sociedade. Nesse sentido, idealismo romântico coloca a importância do fogão gaúcho como “ara de civismo”, a roda de chimarrão e os contadores de “causos” irmanavam detentores de meio de produção com desvalidos... Era a “democracia dos pampas” in loco!

REFORÇO DA DOMINAÇÃO DE CLASSE PERANTE CRISE ECONÔMICA ATUAL

Governos ultraneoliberias vêm acabando
com conquistas sociais dos trabalhadores
Não é muito salientar, que tal orientação ideológica permanece até hoje, quando o Rio Grande do Sul submerge em profunda crise econômica, o que leva grandes setores da mídia corporativa – principalmente a RBS, da família Sirotsky, afiliada à golpista rede Globo – a “romancear” o passado nada igualitário ou “heroico” do gaúcho, enquanto lhe subtrai inúmeras conquistas e patrimônios.

Passados 182 anos do estabelecimento das escaramuças de guerra, a burguesia agroexportadora ainda festeja as façanhas da “Revolução” numa forma de escapismo mediante a difusão de um saudosismo idealizado a respeito dos “monarcas do pampa” (os caudilhos), “de lança em riste, colado ao fogoso corcel que o arrebatava nas cargas heroicas...”3. Os embates constantes com os castelhanos ajudaram a construção desse mito. “A historiografia oficial... cumpre a função de resgatar para as ‘classes dominantes’ o seu passado... que necessariamente as deve nobilitar, exaltar suas virtudes...4.

A “sacralização” do poder do latifúndio é o objetivo das homenagens aos “heróis” farroupilhas, tendo o povo gaúcho como caudatário das dignificantes batalhas guerreiras. Hoje somado ao poder de classe da burguesia industrial, comercial e financeira dentro de uma realidade urbano-industrial. Os arautos do romantismo “pré-capitalista” cumprem a função de reforçar a dominação de classe e seus interesses a serviço da recolonização do país imposta a duras penas pelo governo golpista de Temer e sua quadrilha de assaltantes dos cofres públicos.

CONSULTE NESTE BLOG
20 DE SETEMBRO DE 1835, A “REVOLUÇÃO FARROUPILHA”: de “caudilhos” a “pacificadores”, dos mitos resta-nos a bosta sobre ruas e alamedas como verdade concreta
http://inquietudegeral.blogspot.com.br/2016/09/20-de-setembro-de-1835-revolucao.html


Notas:                        

1 Franco, Sérgio da Costa. Porto Alegre sitiada. 2011

2 “Caxias ‘convence’ David Canabarro a lutar contra as tropas imperiais no serro de Porongos (interior do RS) tendo como aríete os Lanceiros. Claro, um combate previamente combinado após inúmeras ‘conferências de guerra’. Está documentado: ‘Não receie a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro e de seu general em chefe, para entregar o cartuchame’” (Ofício de Caxias ao Comandante Francisco Pedro, 9 de novembro de 1844)]; http://inquietudegeral.blogspot.com.br/2016/09/20-de-setembro-de-1835-revolucao.html

3 Goulart, Jorge Sallis. A formação do Rio Grande do Sul, 1978.

4 Pesavento, Sandra Jatahy. A Revolução Farroupilha. Coleção Tudo é História n.101.