quarta-feira, 6 de setembro de 2017

7 DE SETEMBRO DE 1822: o “Grito” do absolutismo monárquico na “Independência” do Brasil



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estes dias recentes comemora-se a “Independência do Brasil” como se fosse algo faustoso, heroico e repentino. Bem diferente do que se ensina no formalismo escolar, o processo de independência foi tortuoso e cheio de traços emblemáticos-políticos deflagrados por gestos e faniquitos da família imperial, muito além do que a literatura positivista quis demonstrar ou imaginar em seu deletério antimonarquista. No polo oposto do que apregoavam os positivistas-republicanos, a monarquia brasileira desempenhou um papel importante no desenrolar do processo de ruptura com Portugal, muito mais como atuação reacionária à nova ordem mundial, o esfacelamento do antigo sistema colonial e a ascensão do capitalismo europeu.

 LIBERALISMO E REPRESSÃO NO PERÍODO PRÉ-INDEPENDÊNCIA

Alguns episódios da história brasileira precederam a “Independência” oficial, demonstrando o grau de descontentamento das forças econômicas nativas. Foram movimentos de cunho eminentemente social-econômicos e de revolta contra o antigo sistema colonial: a Confederação do Equador (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte) que se bateu contra o centralismo e o autoritarismo monárquico dirigido por Portugal, cuja execução estava por conta da família real brasileira. Na Bahia, a cidade de Cachoeira, chegou a proclamar rompimento com Portugal em junho de 1822! Portugal mandou bombardear a cidade que, resistindo, conseguiu vencer as tropas luzas. Resistiu por um ano, até expulsarem os soldados portugueses da Bahia no dia 2 de julho de 1823 (o 2 de Julho hoje é feriado na Bahia).

Dom Pedro I deu garantias
"constitucionais" e "econômicas"
à classe dominante oligárquica
O chamado “Grito do Ipiranga” não esteve revestido de real significado, tanto que tal ato somente fora divulgado na imprensa (elitista em meio a uma população quase que totalmente analfabeta) duas semanas após. Esteve, isso sim, representado por mais um ato autoritário de seu signatário, o príncipe Dom Pedro I, revoltado com a revolução liberal por que passava seu amado reino absolutista de Portugal. Trata-se da “Revolução do Porto”, de cunho liberal que aconteceu em 1820, durante a qual Dom João VI resolveu se submeter politicamente aos novos ditames da metrópole, retornando do Brasil em abril de 1821. Importante salientar, a “nova” camada dirigente que assumia as rédeas da economia portuguesa, imersa em profunda crise, determina que a prática colonialista devesse ser retomada e reforçada. Sete meses depois da nova fuga de Dom João – não sem antes limpar os cofres e saquear as riquezas do Brasil –, a Corte portuguesa determina que Dom Pedro deveria voltar imediatamente a seu país.

O príncipe, formado pelos mais rígidos princípios absolutistas, portanto, se opôs ao nascente liberalismo português. Dom Pedro aliou-se ao partido brasileiro e a aristocracia rural pronta a vender caro seu apoio (“Dia do Fico”, um abaixo assinado organizado por Gonçalves Ledo). Precisamente por isso, não é como alguns historiadores atuais dizem que Dom Pedro estava “de saco cheio de seu pai dando-lhe ordens”. Sim, falaram mais alto seus interesses de classe dominante.

A “Revolução do Porto” provocou a grita das reacionárias oligarquias regionais brasileiras e de comerciante portugueses residentes que enriqueceram com a economia extrativista determinada pela “abertura dos portos às nações amigas” ou daqueles que se amancebaram com suas mucambas. Liberais e conservadores haviam se unido bem antes do “Grito do Ipiranga”: a convocação da Assembleia Constituinte de 3 de junho de 1822, o Decreto do dia 1º de agosto que declarou tropas portuguesas em território brasileiro inimigas e os Manifestos “Ao povo brasileiro” de Joaquim Gonçalves Ledo1 (1º de agosto) e “Às nações” de José Bonifácio2 (6 de agosto) precedem a Independência. Ou seja, desde junho a independência estava consumada. A classe dominante, outrossim, necessitava de um símbolo que aprumasse a seus interesses, haja vista a dispersão do imenso território brasileiro ainda distante de se constituir uma nação unificada. Dom Pedro e o Império foram uma saída para a loja maçônica “Grande Oriente do Brasil”3.

José Bonifácio foi o condutor
da Independência oficial
O “Grito do Ipiranga”, completamente ignorado por todos, tinha que ser anunciado de alguma forma. A maçonaria, por intermédio de Gonçalves Ledo, decidiu que a oficialização deveria ocorrer no dia 12 de outubro, data de aniversário de Dom Pedro, em uma grande festividade pública. Contudo, houve uma mudança política, pois José Bonifácio e o imperador, ambos da ala mais reacionária do governo, estavam com medo de uma possível conspiração maçônica-liberal contra o “novo” regime. Tudo porque a imprensa liberal estava difundindo que Dom Pedro era um “puro democrata”, o que lhe soou como uma terrível ofensa e ameaça à monarquia absolutista.

Em decorrência das intoleráveis “ofensas” José Bonifácio – quem de fato dirigia o governo – desencadeou violenta repressão contra os “conspiradores” filorrepublicanos. No dia 2 de novembro sofreram severas punições, presos, deportados e alguns até assassinados. Os nomes que articularam o processo de independência estavam criminalizados e/ou presos: José Clemente Pereira, Alves Branco Muniz Barreto, Gonçalves Ledo, General Nóbrega, Cônego Januário e Padre Lessa.

Após este sangrento episódio a reacionaríssima monarquia recém-inaugurada precisava mostrar detentora de poder a seus oponentes, onde as massas deveriam estar completamente apartadas. Eis que no dia 1º de dezembro, sob a tutela de José Bonifácio, Dom Pedro é coroado imperador do Brasil. Sua gratidão à classe dominante viria sob a forma de títulos de nobreza e condecorações compradas a peso de ouro. O que seu pai não levara do Brasil, Dom Pedro se encarregou de esgotar as riquezas tupiniquins... A Nobreza estava escalada para exercer cargos públicos e afastar assim o demônio liberal nas hostes imperiais.

O MITO DO HERÓI INSURGENTE

O povo estava bem longe das artimanhas palacianas. O imperador fora feito como o único artífice e responsável pela Independência, cuja Corte postulou as comemorações para o dia 7 de setembro, data que ganhou importância apenas décadas depois. O Brasil estava tomado por inúmeras revoltas armadas nesse período. Não havia uma unidade nacional, ou inexistia a percepção do que representava ser brasileiro, uma vez que não existia ainda um Estado nacional. “Nesse longo período, particularizado geograficamente, o Brasil era pouco mais do que uma abstração. Até a Independência, em 1822, o nativismo luso-americano foi sempre regional. Lutou-se e sonhou-se com a independência de Minas Gerais, de Pernambuco, da Bahia e jamais de um Brasil que pertencia ainda ao futuro”4. Apenas em 1825 o Brasil teve reconhecida a sua autonomia por parte de Portugal, forçado pela Inglaterra. Contudo, reconhecida após o Brasil pagar uma multa de 2 milhões de libras esterlinas (em empréstimo contraído perante a Inglaterra). Aqui, em termos historiográficos, há um misto de epopeia positivista com interesses de classe do império, uma mixórdia que durou muito pouco.

Assim, cumprida a Independência, perpetuava-se a concentração de renda no Brasil sob as mãos das oligarquias no que pode ser considerada uma acumulação primitiva de capital. A classe dominante que tomou para si o processo de independência não somente manteve em pé a economia escravista como a reforçou, além de destilar seu ódio de classe contra a população pobre valendo-se de sangrenta repressão. Não houve ruptura com o sistema colonial, mas uma extensão do domínio dinástico absolutista e sua submissão às grandes potências da época.

Notas:                             

1. “Acordemos, pois generosos habitantes deste vasto e poderoso Império, está dado o grande passo da vossa Independência (…). Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das Nações Independentes, a que tínheis todo o direito.”

2. Conclamava governos nações a permanecerem amigas do Brasil, numa forma mais diplomática de rompimento: a “continuarem como Reino do Brasil as mesmas relações de mútuo interesse e amizade”. Idem

3. Também chamada de Obediência Maçônica, a GOB participou ativamente em momentos cruciais da história brasileira, como a abolição da escravatura, a Proclamação da República e a Independência do Brasil.