terça-feira, 31 de março de 2015

Golpe militar de 1964 colocou gorilas genocidas no poder para substituir a “política de massas” da Era Vargas pela “contenção das massas” por meio da ditadura da burguesia durante 21 anos



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á 51 anos, a madrugada do dia 31 de março marcou um dos episódios mais cruéis e macabros da história recente do Brasil: o golpe militar de 1964. Para compreendermos o real significado deste fato que não só aniquilou com o regime democrático-burguês como também cumpriu um papel fundamental no que concerne ao acirramento da luta de classes no país. E é precisamente neste último aspecto que nos deteremos na análise, deixando pré-entendido que o regime que se seguiu logo após o golpe foi o prolongamento do anterior, por outros meios, uma ditadura de classe com a finalidade de expandir o processo de acumulação capitalista no Brasil a custa do sacrifício e repressão sobre os trabalhadores e intelectuais.


O MILITARISMO E O DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS PRODUTIVAS NO BRASIL

O período pós-guerras (Primeira e Segunda Guerras Mundiais) foi caracterizado por várias rupturas sociais e políticas: em primeiro lugar a Revolução Russa de 1917, a qual se expandiu posteriormente pelo Leste europeu; depois a Revolução Chinesa (1949); e em 1959 a Revolução Cubana, esta no “quintal” do imperialismo ianque. Estes são os sinais indeléveis de uma profunda crise de esgotamento do sistema colonial capitalista em todo o mundo, tendo como contraponto o crescimento e desenvolvimento de Estados operários onde antes dominavam os imperialismos ianque e o europeu. Logo, os Estados Unidos deveriam reagir a esta “perda de hegemonia” econômica e militar até então monopolizada pelas grandes potências capitalistas (Inglaterra, Alemanha nazista, França etc.), tanto que de início viam com bons olhos a ascensão nazista como contraponto aos países do chamado “mundo comunista”. Cada vez mais, os estrategistas do Pentágono passam a ter como inimigos frontais os regimes comunistas, dispondo em todos os terrenos suas escaramuças da Guerra Fria.

A retração do mercado norte-americano a partir da crise da Bolsa de Valores de 1929 fez com que o Brasil aos poucos rompesse com a política de importações, assumindo na sequência do governo Vargas uma índole semi-industrializante. No entanto, várias crises ocorreram no sentido de transformar um país eminentemente agrário e monocultor em um país voltado para a indústria. Foram necessários pelo menos cinco golpes militares, 1937, 1945, 1955, 1961 e 1964, os quais produto de um “pacto oligárquico” redundaram inelutavelmente em uma certa ruptura com a economia agrária, dando início a um longo processo de urbanização e proletarização do campesinato, agora na condição de operário nas grandes cidades. Daí surge o fenômeno do populismo, ou seja, a inserção das grandes massas à política de Estado e o surgimento do nacional-desenvolvimentismo capitaneado por Vargas, JK e Jango. Neste caldo de cultura surgem as classes médias e uma burguesia associada às subvenções do Estado varguista. Os elementos médios são oriundos de um maior desenvolvimento urbano, do surgimento do setor de serviços, da burocracia pública, do consumo que buscam ascensão social, concomitante à rápida evolução do proletariado que também exige melhores condições de trabalho. As tensões sociais são inevitáveis.

Neste ínterim, na mesma proporção que os EUA combatem ideologicamente a ascensão dos Estados operários (equivocadamente chamados de comunistas), os militares brasileiros antes influenciados pela escola de guerra francesa, passam à esfera política do Pentágono após participarem com sua “Força Expedicionária” da Segunda Guerra Mundial. A primeira mais intelectualizada e a segunda essencialmente ideológica, golpista e belicista-pragmática. O golpe de 64 foi o prolongamento e o zênite deste movimento militar golpista articulados desde 1932 com o objetivo de inserir o Brasil no ciclo econômico mundial hegemonizado pelos EUA nos marcos da Guerra Fria, ou seja, visava quebrar a espinha dorsal do regime nacional-desenvolvimentista inaugurado com Vargas, a política de Estado voltado para as massas.

DESTRUIR O COMUNISMO OU INTEGRAR O PAÍS À GLOBALIZAÇÃO?

Repressão brutal sobre o proletariado e estudantes
O regime implantado no pós-64 cumpriu a tarefa de substituir “à fórceps” a ideologia do desenvolvimentismo pela da “modernização” a qualquer custo em associação com o capital estrangeiro. Para tanto, os generais gorilas teriam que alterar as bases das instituições econômicas, políticas e culturais, o que significava desnacionalizar os costumes e frear o nível cultural das massas. O final da década de 50 e início da de 60 foram extremamente profícuas no sentido da criação e inovação artísticas como a Bossa Nova, o Cinema Novo, o teatro de Arena, a educação fundamentada em Paulo Freire, as ideias avançadas de Darcy Ribeiro no campo educacional, os Centros de Cultura da UNE etc.

Para alterar este avanço progressista-cultural e político os golpistas se valem da ditadura de classe, da burguesia aliada com a Casa Branca, com o objetivo de dar garantias de funcionamento do regime sem riscos de tensões sociais, ao mesmo tempo em que se integrava ao capitalismo internacional e à acumulação mundial. Mas o principal alvo da ditadura militar foram os trabalhadores, que para conter a crescente participação na vida política e social do país era necessária uma brutal repressão e a redução de sua influência na renda nacional. O confisco salarial foi levado a cabo para liquidar politicamente a participação das massas no curso do país e destroçar o velho populismo.

Os governos Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros provocaram um enorme endividamento externo, tendo como consequência o aumento drástico da inflação e profundas distorções em relação ao campo e à cidade, causando uma crise agrária sem precedentes, o que colocou amplas massas nas ruas, muito embora sem uma direção revolucionária que as empurrasse contra o establishment. O PCB, por exemplo, estava preso ao apoio a Jango e não ultrapassava as reivindicações meramente de cunho sindical e economicistas, submissão a qual impossibilitou uma reação imediata ao golpe. Fracassa o chamamento de uma greve geral pelo CGT em apoio ao governo deposto. Jango, no dia 1º de abril viaja do Rio para Brasília e depois para o Rio Grande do Sul onde demove Brizola de colocar nas ruas um movimento de resistência e parte para o exílio, aceitando a situação passivamente.

O CAPITALISMO “HUMANO” E “PATRIÓTICO” DE JANGO

Não é novidade alguma o caráter covarde de João Goulart, típica de um governo burguês que se valia do controle social das massas para integrá-las a seu projeto de desenvolvimento capitalista, “humano” e “patriótico”. Neste sentido, deixou seu entendimento: “... essa confiança do proletariado na secretaria de Estado que dirijo deveria constituir-se num motivo de tranquilidade [para os patrões] e nunca de alarme (...). À frente do Ministério do Trabalho estou pronto a estimular e aplaudir os capitalistas que fazem de sua força econômica um meio legítimo de produzir riquezas, dando sempre às suas iniciativas um sentido social, humano e patriótico” 1.

Os militares a pretexto de impedir que Jango assumisse o cargo de presidente após a renúncia espalhafatosa de Jânio difundiram a tese esdrúxula de que o vice era comunista: “...usou sempre de sua influência em animar e apoiar... manifestações grevistas promovidas por conhecidos agitadores. E ainda há pouco... em viagem à URSS e à China Comunista, tornou clara e patente sua incontida admiração ao regime destes países...” 2. Papel este fortalecido após a adoção do sistema parlamentarista acordado entre o Congresso Nacional e os militares em 1961, quando pouco tempo depois foi criado por Golbery do Couto e Silva o IPES/IBAD patrocinado diretamente pela CIA e o Pentágono na propaganda anticomunista. Vários empresários e multinacionais se envolveram no financiamento deste instituto, conferindo ao processo contrarrevolucionário um caráter civil ao lado da conspiração militar. O IPES/IBAD foi a arma da propagandista da extrema-direita para justificar o golpe militar através da criação de grosseiros factoides anticomunistas na TV, no cinema, em jornais e onde fosse possível atingir as massas.

Como podemos ver, as causas do golpe militar não se situam particularmente no espectro político de Jango, mas sim no regime de Estado que teria de ser modificado, esmagando toda e qualquer tentativa de resistência. Jango, em razão da propaganda reacionária da mídia contra seu governo, estava cada vez mais isolado politicamente, e como uma vã tentativa de absorver o apoio de massas resolveu organizar o emblemático “Comício do dia 13 de março” de 1964 ao qual acorreram 200 mil pessoas. Seis dias depois, insuflado pelo IPES auxiliado por organizações paramilitares anticomunistas (Movimento Anticomunista, Organização Paranaense Anticomunista, Cruzada Libertadora Militar Democrática etc.) foi o artificie do golpe ao cooptar a classe média na conhecida “Marcha da Família com Deus e a Liberdade” que reuniu em São Paulo 500 mil reacionários. Trata-se do aspecto civil do golpe, que muitos historiadores burgueses tratam de ocultar por suas relações com o regime: são os industriais, os latifundiários, os grandes comerciantes, banqueiros que arrastaram para si em seu projeto conservador as classes médias recalcitrantes ao “trabalhismo”.

GOLPE CONTRARREVOLUCIONÁRIO E A IMPOTÊNCIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO E SUAS DIREÇÕES

Como acontecera em agosto de 1961, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade declara que o cargo de presidente da república encontrava-se vago, assumindo interinamente o então o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzili, como elemento decorativo do regime, agora governado de fato e com mão de ferro pela Junta Militar. A “Junta” autodenominara-se como “Comando Supremo da Revolução” formado pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva. Ficaria nos desígnios da nação por duas semanas, durante as quais desferiu violenta repressão aos setores mais conscientes do movimento operário: o CGT, a UNE, as Ligas Camponesas e grupos católicos como a JUC e a Ação Popular. A “junta” foi a responsável por baixar o Ato Institucional nº 1, alterando a Constituição de 1946, o qual conferia poder de fogo aos militares para justificar os atos ilegais de exceção por eles praticados. Milhares de IPMs (Inquéritos Policiais-Militares) foram feitos contra pessoas consideradas “subversivas” e/ou “indesejáveis”. Assim, vários deputados foram cassados, cidadãos tiveram direitos suspensos, funcionários públicos e militares foram demitidos ou aposentados. Logo que a “Junta” sentiu-se fortalecida e certo modo coesa colocou na presidência do país o general Castelo Branco.

Para o gáudio da burguesia brasileira, da Igreja católica reacionária, Lacerda, Magalhães Pinto e Ademar de Barros e os setores da classe média que estimulavam e pediam intervenção militar, agora impera o regime de exceção: a ditadura burguesa aliada do imperialismo norte-americano de cunho abertamente fascista, orientada pelos amos do norte. Na visão dos golpistasm, havia triunfado sobre a “ameaça comunista”, o “inimigo interno”. A operação orquestrada desde o Departamento de Estado dos EUA, chamada de “Brother Sam” seria um plano de invasão do Brasil por parte dos “marineres” americanos em caso de guerra civil de resistência ao golpe.

Mas a resistência foi pífia. Para se ter uma ideia de como encontrava-se o principal partido do movimento operário, o PCB, seu dirigente declarara a quatro dias do golpe: “Goulart tornava-se o porta-bandeira da revolução brasileira e que não haveria condições para um golpe reacionário. Se este houvesse, os golpistas teriam as suas cabeças cortadas!”. Há muito o PCB havia adotado a bandeira do desenvolvimentismo e do reformismo, de aliança com a burguesia, atado ao governo de João Goulart, integrado de corpo e alma ao status quo de um regime que não tinha nada de revolucionário, apenas a proposta de um capitalismo “não selvagem”. Tal era o caráter de Jango que chegou a discursar em reunião do Automóvel Clube no dia 30 de março durante aniversário da Associação dos Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar da Guanabara. Ou seja, sabia da iminência do ato gorila, enterrando seu governo já na véspera, alimentando a sanha doentia anticomunista nas altas esferas militares em decorrência do crescente ascenso do movimento de massas no Brasil. Como um castelo de areia à beira da praia, o governo Jango desmanchou-se com as levas das marés repressivas, principalmente sobre o movimento operário que segundo os golpistas, precisava ser quebrado e esmagado. No final, não foi apenas um “golpe”, que nos assevera algo passageiro, mas um programa permanente que durou 21 anos de arbítrios e corrupção desenfreada (parasitismo de empreiteiras nas obras faraônicas, o favorecimento à Rede Globo, contratos fraudulentos com multinacionais etc.). A corrupção sempre foi o agente emulador de todos os regimes capitalistas em todo o planeta!

Muito além da justificativa “anticomunista” dos militares, estava em questão a necessidade do grande capital em expandir a tão atrasada economia e infraestrutura do país incrementada precariamente por Vargas. Difundir o capital de forma extremamente centralizada e elevação da taxa de lucro para as empresas recém-instaladas após o golpe e, claro, “legalizar” medidas que atingiam diretamente o proletariado brasileiro como a superexploração da mais-valia. A situação política do início da década de 60 é completamente distinta da que presenciamos hoje: à época a burguesia viu seus interesses atingidos pelas almejadas “reformas de base” e o controle da remessa de lucros de empresas estrangeiras; nos dias atuais, qual interesse foi ameaçado pelo governo do PT? Nenhum, ao contrário! Basta ver o programa neoliberal de Joaquim Levy e seus ataques frontais à classe operária e o corte de benefícios sociais, além de dar todas as garantias aos rentistas internacionais. Afirmar que estamos na iminência de um golpe não passa de um delírio político, sem qualquer fundamento histórico e social. A burguesia trata, isto sim, de manter o PT nas cordas, se valendo da mídia oligopsônica orientada para sangrá-lo, colocando-o cada vez mais na defensiva e a reboque da direita, mas em essência ainda apoiado pelo Pentágono e a Casa Branca.

Notas:
1-      O governo Goulart e o golpe de 64, Caio Navarro de Toledo
2-      Idem.