sexta-feira, 29 de maio de 2015

O desfecho da “Primavera árabe”, ao invés de flores, espinhos. Como destino dos “imigrantes ilegais”, as águas mortais do Mediterrâneo e as leis fascistas da União Europeia

A Líbia antes dos bárbaros bombardeios da OTAN em 2011 era um país próspero, com um sistema de educação pública e saúde universais, ambos gratuitos, no qual 94% da população estava alfabetizada e a expectativa de vida do cidadão beirava a casa dos 72 anos de idade – muito superior a vários países da América Latina e até mesmo europeu! Possuía um dos mais avançados sistemas de irrigação e distribuição de água do mundo. Tudo isso graças à revolução nacionalista de Muammar al-Gaddafi que derrotou e expulsou do trono a reacionária monarquia do rei Idris. Porém, esta situação estava com seus dias contados pelas grandes potências capitalistas. O “start” da guerra de rapina contra o coronel Gaddafi aconteceu quando este declarou que iria nacionalizar o petróleo, o que despertou a ira das grandes empresas multinacionais situadas em Benghazi, de onde emergiram os “rebeldes”. Não tardou para que este segmento associado ao capital estrangeiro se voltasse contra o regime nacionalista de Kadafi. EUA, Inglaterra, Alemanha, Turquia, Suécia trataram logo de apoiar os ditos “rebeldes”. O Pentágono e a Casa Branca impuseram que a ONU e ao Conselho de Segurança no dia 17 de março de 2011 determinasse uma “zona de exclusão aérea” em Benghazi para “proteger os civis” na região. Foi dado o sinal para iniciar o massacre do povo líbio e suas conquistas sociais, que durante longos e abomináveis sete meses fora selvagemente bombardeado pela coalizão ocidental na OTAN. Ao fim da guerra, o caos tribal e um país aniquilado do qual a população em desespero procura a fuga através do Mediterrâneo em direção à Europa infestada por governos cada vez mais de direita e com leis anti-imigrantes.

Em 20 de outubro de 2011 o “mundo democrático” estava livre de mais um “sanguinário ditador”. Um asqueroso artigo do Foreign Affairs afirma que “A operação da OTAN na Líbia foi corretamente saudada como intervenção modelo (sic). A aliança respondeu rapidamente a situação que se deteriorava e ameaçava centenas de milhares de civis em rebelião contra regime opressor. Conseguiu proteger aqueles civis e, de fato, garantir o tempo e o espaço necessários para que as forças locais derrubassem Muammar al-Gaddafi” (Almirante James G). Que modo frondoso de compreender o que foi a “Primavera árabe”, de causar comoção humanitária a seus defensores da esquerda (PSTU/LIT, PCO, LER-QI etc.), os quais sem o menor rubor e critério de classe caracterizaram os “rebeldes” como “autênticos revolucionários que lutavam contra a tirania assassina e corrupta” e que, portanto deveriam receber armas das grandes potências “democráticas”!

Uma análise pós-regime Gaddafi foi feita por ninguém menos suspeito, a CNN, que não pode ser acusada de esquerdista: “Assassinatos, sequestros, bloqueios de refinarias, milícias rivais que lutam nas ruas, extremistas islamistas acampados e, sobretudo, governo cronicamente fraco fizeram da Líbia lugar perigoso, cuja instabilidade já respinga através de fronteiras e para o Mediterrâneo. Verdade é que a Líbia está convertida em estado fora da lei”. Eis o que foi a “intervenção modelo” de Obama/Cameron, simplesmente devastou um país inteiro em nome do lucro com o estado permanente de guerra. Segundo um relatório do Royal Bank of Scotland, “O Oriente Médio é uma das regiões com o maior número de oportunidades para companhias britânicas de defesa e segurança. A Arábia Saudita... é o principal importador de defesa do mundo, tendo gasto US$56 mil milhões em 2009... uma região muito valiosa a visar”. Portanto, banqueiros, alegrem-se!

Por exemplo, a cidade portuária de Misrata comporta hoje o que há de pior em termos de criminalidade, abrigando a máfia turca judaica a qual expulsou ou assassinou a população local, principalmente os partidários ou simpatizantes de Gaddafi. Pratica com sistematicidade a tortura e as execuções sumárias sem que nenhuma ONG “humanitária” se indigne ou denuncie. Os criminosos de Misrata promovem constantes ataques a Trípoli e a diversas tribos a fim de impor controle sobre o território líbio, disseminando o medo e o macabro tráfico internacional de órgãos humanos com a proteção dileta dos EUA, Arábia Saudita e Qatar. A miséria expõe a população líbia a toda sorte de horrores, antes pelas bombas da OTAN agora pelas guerras tribais e os esquadrões da morte. Cidades inteiras foram cercadas, cortados os suprimentos alimentícios e a água. As canalizações extremamente sofisticadas do maior rio artificial do mundo feito sobre os lençóis freáticos do Rio Nilo que abasteciam as grandes cidades e aldeias foi completamente destruído pelo bombardeio cirúrgico da OTAN. Tawarga que antes abrigava cerca de dez mil habitantes hoje é uma cidade fantasma, abandonada.

O país inteiro sofreu com a guerra de rapina levada a cabo pelos EUA e Europa. Sua infraestrutura básica foi devastada. Em razão deste “vazio”, o norte da África está sendo ocupado militarmente por bandos armados do Estado Islâmico e Amsar Sharia (este dominando Benghazi). Bandos, aliás, financiados e armados pelo Pentágono e a CIA para combater Bashar Al Assad na Síria e Saddam Hussein no Iraque que ora se voltam contra seus amos.

EUROPA E ESTADOS UNIDOS OS RESPONSÁVEIS PELAS FUGAS DESESPERADAS ATRAVÉS DO MEDITERRÂNEO

O Magreb tem uma formação social bastante peculiar. Diversos grupos étnicos compõem a Líbia (tribos e clãs), são árabes, berberes, tuaregues e tebus (não-árabes do sul). Aqui o cimento social fora outrora a lealdade tribal, da qual tudo dependia para funcionar como proteção social e promover empregos. Os ataques da OTAN, no entanto, dissolveram estes laços atávicos e consuetudinários da população, de unidade e estabilidade social. Foram mais de dez mil bombardeios sobre uma população indefesa e desarmada, mais de 40 mil bombas sobre suas cabeças. Milhares de corpos espalhados pelo país.

Como resultado da desintegração social, política e econômica do Magreb, e particularmente da Líbia, as grandes potências ocidentais e sua imprensa corporativa passaram a acusar “traficantes” de gente pela morte por afogamento e maus tratos de imigrantes líbios, tunisianos, egípcios, sírios, iemenitas etc. durante travessias pelas águas turbulentas do Mediterrâneo rumo à Europa. Contudo, a verdade é bem outra. Os responsáveis por esta barbárie são precisamente os EUA e seus consortes europeus que rapinaram e destruíram todas as obras sociais na Líbia e no norte africano. Somente durante os ataques “humanitários” da OTAN milhares de líbios em fuga morreram tentando atravessar o mar Mediterrâneo, fato deliberadamente ocultado pela grande mídia corporativa. Nos dias atuais, a Líbia tem se convertido na porta de saída da desesperada população do Magreb e arredores que não veem nenhuma perspectiva em seus países de origem. Um tremendo retrocesso, pois isto não acontecia durante o governo nacionalista de Gaddafi, ao menos na escala atual, uma vez que toda a riqueza agora está concentrada nas mãos de gangues e multinacionais americanas. O número de morte dos que tentam penetrar na fortaleza Europa permeada por políticas anti-imigrantes ultrapassa os 600% em relação entre 2011 e 2015. Para o imperialismo, as guerras tribais tem a função precisa de exterminar a população e assim evitar a migração e possíveis descontentes com a situação política de caos social. Para a população oprimida não há solução: ou morre de fome, ou na guerra ou no fundo do mar. Em um só naufrágio, próximo à costa da Sicília, quase 600 pessoas morreram de uma vez.

A ORDEM É MATAR JÁ NO MAR, OU OS QUE ESCAPAREM ESCRAVIZÁ-LOS

A União Europeia já encontrou uma “solução” para o problema das balsas superlotadas e os consequentes naufrágios: bombardear os barcos antes de eles irem a pique através de uma operação naval militar, supostamente para combater os traficantes de gente!!! Em seu twitter a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, afirmou que “foi tomada a decisão de iniciar a operação militar naval com o objetivo de destruir o negócio de contrabandistas e traficantes de pessoas que agem no mar Mediterrâneo” (18/5/2015). Neste sentido, a Comissão Europeia aprovou o seguinte texto: “tomar todas as medidas necessárias contra um barco ou ativos relacionados, inclusive eliminá-los ou torná-los inoperacionais”. A Itália declarou que os imigrantes que adentrarem no país deverão “trabalhar de graça para não ficarem sem fazer nada”, ou seja, devem se tornar escravos.

Os EUA e seus cúmplices europeus são os verdadeiros responsáveis pelas mortes dos imigrantes “ilegais” no Mediterrâneo ao difundir a miséria e a calamidade social no norte africano e em todo o chamado mundo árabe. Esta é a perspectiva para as novas investidas do império do norte tanto na América Latina como na Ásia, na condição de ave de rapina em nível mundial e de polícia que arbitra a seu favor litígios internacionais. O Pentágono está planejando uma nova ofensiva no Magreb e Iraque, a pretexto de “combater” o Estado Islâmico. A “primavera árabe” ou “revolução árabe”, como muitas correntes de esquerda qualificam o movimento contrarrevolucionário levado a cabo pelo Departamento de Estado dos EUA e pelo Mossad não desabrochou em flores, mas apontou os duros espinhos do reacionarismo em todo o planeta. Nesta “primavera” apenas brotaram cadáveres em solo e em mar, a fuga a qualquer preço a deixar os ratos que infestam as ruínas para trás – e amiúde única fonte de alimentação dos habitantes - de uma nação outrora próspera e desenvolvida. Onde existia a Líbia agora jaz um arremedo de país e seus ratos “rebeldes”...