sábado, 13 de dezembro de 2014

AI-5, ditadura de classe, acumulação capitalista e guerra civil contra o proletariado: colocar o Brasil sob o controle estratégico do imperialismo ianque

Costa e Silva promulga o AI-5
Este artigo que analisa as causas da decretação do infame AI-5 foi elaborado “in memoriam” daqueles que tombaram heroica e corajosamente (a maioria jovens na faixa dos 25 anos de idade) no firme combate ao regime de opressão e exploração após o golpe contrarrevolucionário de 1964. O 13 de dezembro de 1968 representa o culminar e a face mais cruel da ditadura de classe contra o proletariado a serviço do imperialismo ianque. Trata-se da implementação do Ato Institucional nº 5 pelo governo militar após o golpe de 64 comandado pelo general Costa e Silva. Os quatro anos anteriores foram marcados pela divisão entre os próprios golpistas, aquela existente entre a linha moderada (a ala nacionalista do exército) e a linha dura (diretamente ligado ao departamento de estado americano), além das inúmeras provas de resistência do movimento operário em todo o Brasil, embora sem uma orientação revolucionária unificada. Ou seja, não havendo homogeneidade política entre os golpistas, qual a ala das FFAA assumiria o comando do aparelho de Estado?

Inicialmente prevaleceu a ala mais moderada, ligada à Escola Superior de Guerra, criada na década de 50 a partir do momento que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi designada para combater nos campos da Itália durante a II Guerra Mundial sob o comando norte-americano, marcando nesta época a vinculação entre os oficiais americanos e os militares brasileiros como Castelo Branco (representante da ala que defendia um processo de transição relativamente rápido e o retorno à democracia, incluindo eleições diretas para presidente já em 1966) e Golbery do Couto e Silva (o mentor contrarrevolucionário). Até a década de 40, antes da doutrinação eminentemente anticomunista americana, os militares brasileiros estavam vinculados à escola francesa, que proporcionava uma formação menos belicista promovendo estudos de história, cálculo e balística, enquanto os EUA impunham o pragmatismo, a superficialidade e técnicas de combate em “terrenos adversos” – como queimar choças de vietnamitas, com mulheres, idosos e crianças dentro, por exemplo.

Nesse sentido, a doutrina militarista de segurança ianque desenvolvia a tese anticomunista muito mais do que o combate ao nazifascismo, espírito desenvolvido e fortalecido em “cooperação” com os norte-americanos. Anos depois, Golbery declararia que “A FEB não foi importante só para a ida à Itália. Possivelmente, ainda mais importante tenha sido a visita da FEB aos Estados Unidos... Eu fui, e foi um grande impacto” (Brasil Nunca Mais). Neste “convívio” foi elaborada a concepção de “defesa nacional”, isto é, se preparar não para um enfrentamento com ataques externos, mas precisamente contra um “inimigo interno”. Por este grupo ter uma formação ideológica, de direita conforme os preceitos do “National War College”, assumiu as rédeas do poder de Estado e do aparelho repressivo até então. A ala de Castelo, entretanto, não tinha nada de “boazinha” ou “reformista” tal como alguns aduladores pregam; foi em certa medida tão cruel quanto a linha dura: proibiu atividades políticas dos estudantes; decretou o AI-2; não logrou impedir que militares radicais conquistassem poder político; ajudou a redigir e assinou a Lei de Segurança Nacional que instituiu a noção de “guerra interna”; fechou o Congresso Nacional e decretou uma Lei de Imprensa restritiva. Além de tudo, foi conivente com a tortura, que já era praticada nos primeiros momentos após o golpe (é equivocado afirmar que a tortura só se tornaria frequente no pós-68, a qual, aliás, advinha desde o tempo do sinistro Filinto Müller).

A ESG depois do golpe de 64 passou a funcionar como um órgão formador de quadros para a ditadura militar. Aperfeiçoou o sistema de informações “contra o inimigo interno”, o qual foi denominado de Serviço Nacional de Informações (SNI) por Golbery e enrijeceu a Doutrina de Segurança Nacional, com um lema cunhado por ele mesmo: “Mais canhões menos manteiga”, a fim de justificar a ditadura a serviço da acumulação capitalista ianque no Brasil.

OS PRIMEIROS SINAIS DE RESISTÊNCIA DAS MASSAS

No entanto, a alta cúpula militar e o imperialismo estavam inquietos, uma vez que o ano de 68 estava sendo marcado pelas manifestações estudantis em todo o planeta, o que óbvio se refletiu no Brasil, despertando concomitantemente os primeiros levantes do movimento operário contra o golpe gorila de 1964. Assim, as hidras recalcitrantes foram despertadas em todo o seu ódio anticomunista.

O arrocho salarial e a falta de perspectivas favoráveis aos trabalhadores provocam a primeira grande manifestação operária contra a ditadura militar: a greve dos metalúrgicos de Contagem (Minas Gerais) em abril de 68. Em junho foi a vez dos metalúrgicos de Osasco entrarem em ação contando inclusive com ocupação de fábrica (Cobrasma). O 1º de Maio em São Paulo também resume o grau de ascensão do movimento operário, a qual assumiria um caráter político de enfrentamento aberto com o regime, muito além das querelas econômicas. Os estudantes até então vinham se constituindo no principal elemento de resistência ao golpe, tanto que em março deste ano a polícia assassinou o jovem Edson Luis num protesto no Rio de Janeiro, gerando a partir daí uma grande indignação nacional e manifestações massivas de repúdio à ditadura, tendo seu zênite na passeata dos cem mil em junho. Por outro lado, agiam os grupos guerrilheiros em expropriações de bancos. Para os “milicos” o país estava imerso nas “profundezas das ideias subversivas” e, portanto, era necessário tomar providências enérgicas.

Para justificar a medida de força, os militares linha dura se valeram de um discurso do deputado Márcio Moreira Alves que conclamava para que o povo não fosse aos festejos de 7 de setembro. Era do que precisavam os gorilas! No dia 12 de dezembro ordenaram que o Congresso cassasse o deputado, mas este se recusou. No dia seguinte foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus. Ao final do mês de dezembro vários deputados foram cassados, em janeiro do ano seguinte, até ministros do STF, militares descontentes e setores nacionalistas ligados ao getulismo. Inaugurava-se a face mais cruel e sangrenta da ditadura militar. Eliminados os “obstáculos” os militares puseram em curso uma linha repressiva sistemática, estabelecendo finalmente a linha dura e o modelo político (perseguição, tortura e assassinatos) e econômico (abertura total ao capital estrangeiro, principalmente norte-americano). Não se tratou como os historiadores burgueses (democratizantes) costumam afirmar, de que fora um golpe dentro do golpe. Na verdade, tratou-se de um movimento que foi amadurecendo um processo que havia iniciado muito antes, já sob a égide de Castelo.

Por mais que a mídia venal queira difundir hoje no seio da opinião pública a existência de uma “Ditabranda” os fatos desmentem tal mentira deslavada. Desde os primeiros dias após o golpe gorila as medidas políticas foram contumazmente crueis e já se utilizando do método da tortura contra os opositores: “...houve uma onda de cassações de mandatos de opositores, de demissão de servidores militares e civis, e numerosas prisões. Nos primeiros 90 dias, milhares de pessoas foram presas, ocorreram as primeiras torturas e assassinatos. Até junho, tinham sido cassados os direitos políticos de 441 pessoas, entre elas os dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, e João Goulart, de seis governadores, 55 congressistas, diplomatas, militares, sindicalistas, intelectuais. Além disso, 2.985 funcionários públicos civis e 2.757 militares foram demitidos ou forçados à aposentadoria nesses dois primeiros meses” (http://memoriasdaditadura.org.br/formacao-regime-militar/). O objetivo estratégico do regime e seus carniceiros era esmagar a espinha dorsal do movimento operário, suas organizações e opositores a fim de deixar o caminho livre para a destruição da indústria nacional e à dependência aos desígnios do imperialismo, se valendo da repressão e da tortura como métodos e política de Estado como parte do processo do ciclo de acumulação capitalista.

A JUNTA MILITAR LINHA DURA E A IMPOSIÇÃO DO MODELO ECONÔMICO DEPENDENTE

Costa e Silva que demonstrava contrariedade em relação à permanência do AI-5, estranhamente em agosto de 1969 sofre um derrame cerebral, sendo afastado do comando do Estado (morreu alguns meses depois), deixando o cargo a seu vice civil Pedro Aleixo contra quem o conjunto dos militares declarara-se e impediram sua assunção a presidente. Neste caso, pode-se caracterizar como um segundo golpe, uma vez que desrespeitaram as regras que o próprio regime golpista havia criado através dos primeiros AIs. Assumiu uma Junta Militar das três armas (Marinha, Exército, Aeronáutica). A Junta teria que enfrentar nos seus primeiros dias a espetacular ação do sequestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick, pelos militantes da ALN e MR8 (a luta armada e os grupos guerrilheiros, organizados a partir do descontentamento com a política burguesa do PCB, serão tratados em outro artigo). Humilhados e enfurecidos, os militares fecharam ainda mais o regime, endurecendo a Lei de Segurança Nacional impondo censura à imprensa, coibindo a livre manifestação de pensamento, a expressão cultural do povo, artistas e intelectuais foram presos e torturados. Em 25 de outubro de 1969 em meio a sérias divergências o carniceiro Emilio Garrastazu Médici foi eleito pela Junta Militar como executor do iminente banho de sangue sobre os militantes de esquerda e opositores do regime.

Para compreendermos o que representou o golpe de 64 é necessário levar em conta o contexto internacional e o esgotamento do nacional desenvolvimentista da Era Vargas. Para os golpistas era necessário vincular o Brasil a um “novo” modelo econômico determinado pelas exigências de mercado e pelas idiossincrasias ideológicas do imperialismo ianque na América Latina nos marcos da guerra fria, ou seja, para destruir os moldes culturais anteriores premia a implantação de uma ditadura de classe contra a maioria da população e suas representatividades (partidos, organizações, sindicatos, cultura etc.) a fim de limpar o terreno para a instauração de um modelo diretamente associado aos interesses da burguesia norte-americana. Um Estado extremamente centralizado que emulasse a reprodução do capital nos “novos” moldes econômicos recém-instalados no país, formatando uma burguesia nacional dependente dos “investimentos” imperialistas, o chamado “Milagre Brasileiro” que era a expressão do rápido processo de industrialização baseado no endividamento externo e na exportação de commodities de baixo valor agregado.

A “acumulação capitalista” fomentou o “milagre” se valendo de uma sangrenta guerra civil contra as massas que se opunham ao regime em benefício de uma burguesia (empreiteiras, banqueiros, agronegócio, a Rede Globo) cimentada no parasitismo estatal e diretamente associada ao capital financeiro internacional. Este foi o papel da ditadura militar: proteger um punhado de capitalistas à custa do sacrifício (assassinatos) e exploração do proletariado brasileiro, transformando o Brasil em um entreposto comercial, uma semicolônia – rumo seguido nos outros países da América Latina. Os lutadores que tombaram durante o enfrentamento com a ditadura somente poderão ser vingados com a abertura imediata dos arquivos secretos das Forças Armadas, cujos milicos genocidas e grandes empresas (além das já conhecidas) que lhes davam aporte devem ser desmascarados e julgados por seus crimes através de um tribunal popular, eis a tarefa democrática a ser levada adiante pelos movimentos sociais.