terça-feira, 6 de setembro de 2016

7 DE SETEMBRO DE 1822 - INDEPENDÊNCIA DO BRASIL: compromisso estabelecido pela aristocracia rural para inserir “corpos imensos de cabeças pequenas” na divisão internacional do trabalho




O
estroina D. Pedro e sua comitiva, setembro de 1822, deixam a capital de São Paulo em direção a província de Santos, cidade na qual aconteciam diversos distúrbios sociais em decorrência da politica inepta do governador e suas desavenças com a aristocracia rural, mesmo sendo seu “sátrapa” nomeado por “vossa majestade”. Ao chegar foi recebido com vaias e xingamentos. Para tentar remediar a crise e cooptar a população, o “eminente” D. Pedro promoveu uma grande festança que durou a noite inteira. Nem a farra e a bebedeira conseguiram reverter o quadro, apenas promoveu uma briga generalizada de bêbados e nosso príncipe contraíra uma tremenda dor de barriga! Sem o fito de acalmar os ânimos, volta correndo a São Paulo. Estafado pela longa viagem, resolve apear de seu burro às “margens plácidas” do riacho Ipiranga acometido de severa diarreia. Sujo, mal tendo tempo para colocar as calças, D. Pedro recebe um estafeta com mensagem de que seu pai, D. João VI, ordenando-o voltar imediatamente para Portugal a fim de se submeter ao Rei. Junto com esta ordem recebe outras duas cartas: de José Bonifácio, que aconselhava o príncipe a romper com o domínio português; e a outra, de sua mulher, D. Leopoldina (partidária de José Bonifácio), na qual apoiava politicamente a proposta de Bonifácio. Gritando de dor, em circunstâncias nada glamorosas, D. Pedro teria proferido o brado da “independência ou morte”, haja vista que sua maior ambição era estabelecer uma monarquia absolutista no Brasil dirigida por ele próprio. Uma viagem do Brasil a Portugal demorava dois meses, tempo que os lusitanos levaram para saber do ato do regente. Porém, para chegar a esse ponto, o custo social foi muito elevado, uma vez que abarca um longo período, desde primórdios do século XVIII e desenvolvido com a fuga da família real de Portugal para o Brasil em 1808. A “corte” lusitana instalou-se no Rio de Janeiro confiscando (roubando) casas e terras dos brasileiros. As razões da “independência” não foram um ato isolado da vontade de um dirigente de Estado, mas estão nas novas necessidades do capitalismo entendido na divisão internacional do trabalho.

SOB A ÉGIDE DA ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL

O velho Continente vivia a época de exploração colonial. Portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses partiam para explorar os povos do planeta com suas economias extrativistas e de dizimação de populações inteiras. Ou como analisou com extrema sofisticação intelectual Caio Prado Júnior: “Depois daquele passado já remoto do apogeu luso-espanhol, outras potências tinham vindo ocupar o primeiro lugar no plano internacional: os Países Baixos, a Inglaterra, a França. No entanto, os domínios ibéricos ainda formavam os maiores impérios coloniais. Corpos imensos de cabeças pequenas...” (História econômica do Brasil, cap 13 – Libertação econômica).

Trata-se do capitalismo na sua etapa originária de acumulação, onde o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas fazia do trabalho escravo seu principal modo de produção nas colônias impostas a duras penas pelas monarquias absolutistas que reinavam na Europa. O Antigo Sistema Colonial começava a entrar em colapso. Nos estertores do século XVIII avançava o processo da Revolução Industrial na Inglaterra; na França era deflagrada a revolução politica com a deposição e decapitação da nobreza. Neste contexto, Espanha e Portugal eram os elos mais fracos da corrente imperialista. O capitalismo industrial avançava na Europa e na segunda metade do século XVIII açambarcará aos monopólios coloniais, desvanecendo o poderio das monarquias ibéricas. Napoleão, com seus métodos e política burgueses invade a Espanha, a família real portuguesa foge para o Brasil com medo de ser presa e executada, a exemplo de Luís XVI na França.

Dom João VI e Carlota Joaquina, a família real foge
para o Brasil com medo das guerras napoleônicas
Contudo, a fuga desesperada de D. João e seu aporte no Brasil possibilitou a formação de um mercado interno insipiente conduzido por portugueses, grandes proprietários e liberais (em menor número). Em abril de 1808, D. João suspendeu o alvará de 1785 que proibia atividades industriais no Brasil. Três anos depois eram instaladas fábricas de ferro em Minas Gerais e São Paulo. E ficou nisso, pois os produtos ingleses começam a invadir o país após o “Tratado de Comércio e Navegação” (1810).

A Inglaterra, após choques militares por toda a Europa, coroa sua expansão burguesa com seu poderoso esforço industrial e comercial com as máquinas da Revolução Industrial começando a rodar esfuziadamente. Passa a dominar as rotas marítimas com o advento revolucionário dos navios a vapor, quebrando o monopólio colonial imposto por Madri e Lisboa. Vence a Espanha se valendo da guerra de corso (saques) e Portugal através de tratados e alianças. As novas engrenagens do mercado obrigam a abertura do comércio nas mais diversas áreas geográficas do globo. O império inglês pujante labuta por seus interesses políticos e econômicos interferindo diretamente na autonomia dos povos americanos de colonização ibérica.

As pressões são intensas sobre Portugal. Em 1820 ocorre a “Revolta Liberal” – a mal denominada “Revolução do Porto” - que exige o retorno de D. João VI e a ulterior recolonização do Brasil, como vã tentativa de enfrentar o dilapidador comércio inglês, novamente sujeitando o Brasil ao monopólio. Após saquear tudo que acumulara no Brasil (provocou a falência do Banco do Brasil), a família real resolve voltar a Portugal em 1821, deixando D. Pedro como príncipe regente.

“INDEPENDÊNCIA” DO BRASIL DIRIGIDA POR ESCRAVOCRATAS E LATIFUNDIÁRIOS

Ao mesmo tempo em que a metrópole exigia a retomada do colonialismo, a Inglaterra pressionava pela abolição da escravatura porque este tipo de mão de obra não consome mercadorias. A classe dominante, por outro lado, tinha como objetivo perpetuar seu poder em “terras coloniais” a fim de reinar ela mesma sobre seus domínios, alienando suas províncias.

O processo de “independência” do Brasil foi um fenômeno político completamente distinto daqueles que houve no restante da América Latina. Por ser conduzido essencialmente por uma elite oligarca completamente dissociada dos mais candentes interesses da população pobre assumiu a condição de extremo conservadorismo.

Dom Pedro e Dona Leopoldina como símbolo
da unificação aristocrática em torno da separação de Portugal
Desde as origens a “colonização” da América portuguesa deu-se por fragmentos, ou seja, feita de mosaicos político-administrativos, um retrato econômico de sua semiautonomia. Não havia a tão romanceada unidade politica e de mercado nacional. Espalhados pelo Brasil, senhores detinham para si o poder local e estavam associados às classes dominantes portuguesas. Inexistia uma entidade nacional, pois o Brasil era uma entidade meramente administrativa. A ideia de uma “paixão nacionalista” não passa de uma fábula bíblica similar a do “pecado original”. Tal sentimento somente despertar-se-ia durante a Era Vargas a partir de 1930. Nas palavras de Mario Maestri, “nesse longo período, particularizado geograficamente, o Brasil era pouco mais do que uma abstração. Até a Independência, em 1822, o nativismo luso-americano foi sempre regional. Lutou-se e sonhou-se com a independência de Minas Gerais, de Pernambuco, da Bahia e jamais de um Brasil que pertencia ainda ao futuro” [http://www.lainsignia.org/2002/febrero/cul_005.htm]. Não existia sequer coesão da língua: luso-brasileiros, nativos e africanos...

A aristocracia manifestava-se politicamente dividida em monarquistas, republicanos federalistas ou separatistas. Tais fissuras estavam mais presentes no Norte, Nordeste, Centro-sul e Sul do país (no próximo artigo trataremos sobre a “Revolução Farroupilha”). Desde as últimas décadas do século XVIII ocorriam revoltas contra o “exclusivismo colonial” dos portugueses, como a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798).

RECEITA DE COMO SE LIVRAR DOS LUSITANOS SEM EXTINGUIR A ESCRAVIDÃO

Os escravos eram a principal força produtiva da economia colonial em todas as províncias. Um choque com a metrópole comprometeria o tráfico negreiro e acenderia a chama da sublevação escrava, a exemplo do que ocorrera no Haiti em 1804. A guerra implica alistamento - e óbvio, os senhores de terras e escravos não iriam ao combate – teriam que destacar escravos, o que alimentaria a fuga em massa e a sede de alforria. Temiam pela formação de bastiões de resistência ao regime escravocrata e de simpatia ao abolicionismo inglês. D. João VI, igualmente temeroso escreveu para o filho D. Pedro: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”, demonstrando o medo de que um George Washington, Simón Bolívar ou José de San Martín tomasse conta do processo político.

O príncipe regente, D. Pedro já começava a preparar suas malas para fugir do Brasil quando os “fidalgos” brasileiros entram em convulsão: a aristocracia rural do Sudeste brasileiro, a mais conservadora e influente, mas almejava a independência, a unidade territorial, a escravidão e seus privilégios; seguiam-na as do Nordeste e Norte. Todas propunham um acordo com Portugal para que seja implantado um regime dual entre os dois países. Claro, as cortes lusitanas negaram peremptoriamente, obrigando a elite dominante a inclinar-se pela emancipação sem alterar o status quo vigente.

José Bonifácio, o "Patriarca da Independência"
dirigiu o pacto entre as oligarquias
A maçonaria (presente desde 1801) reaberta no Rio de Janeiro (loja maçônica Comércio e Artes) viria a cumprir papel de unidade política, ainda que forçada da classe dominante, obcecada pela ideia de conter a recolonização e impedir a ascendência do movimento republicano de cunho rebelde. A aristocracia rural brasileira, “unida” redigiu um abaixo-assinado com oito mil assinaturas para D. Pedro, solicitando a sua permanência no Brasil. Após inúmeras vacilações e sinais de covardia, decidiu “ficar” (Ofício do Senado, 9 de janeiro de 1822). A efígie mesma do príncipe funcionaria como um elemento de coesão entre a classe dominante. O maçônico José Bonifácio, o “patriarca do Brasil”, foi o mentor de D. Pedro. O “patriarca” constituiu-se mais como um fariseu do liberalismo, posto que na prática fora um notório defensor dos escravocratas e prócer do conservadorismo das elites brasileiras até hoje. O “Dia do Fico” foi um sinal positivo de que a aristocracia necessitava para apoiar o príncipe, e este para excluir qualquer participação da população pobre.

Aos poucos o grande “patriarca” foi assimilando os interesses negreiros das oligarquias em seu plano de governo, inspirando-os para promover a “independência” e exaltando o próprio conservadorismo dos grandes senhores escravocratas. Os parcos resquícios de ideias republicanas, separatistas e federalistas foram severamente reprimidos ao fio das espadas e das cordas dos patíbulos. O regime feitorial se manteria ainda em pé por 66 anos!

“INDEPENDÊNCIA OU MORTE”! APENAS MORTE PARA OS POBRES... NA VERDADE, SUBMISSÃO ÀS NOVAS NECESSIDADES DO MERCADO CAPITALISTA

O dia 7 de setembro de 1822, às margens do Ipiranga teria D. Pedro declarado o rompimento dos laços de união com Portugal. Em 12 de outubro fora aclamado imperador com o apoio da aristocracia conservadora. Iniciava-se um absolutismo sui generis no país dos papagaios! As elites agroexportadoras estavam felizes, uma vez que seus privilégios foram todos mantidos: escravidão, latifúndio, economia de exportação e sua representação monárquica.

A participação popular no processo de independência do Brasil
resumiu-se a morrer nas guerras contra mercenários portugueses
Contudo, as informações demoravam cerca de dois meses para chegar à metrópole. As notícias chegaram somente em novembro em Portugal. A corte lusitana não demorou a declarara guerra aos rebeldes, promovendo a chamada “Guerra da Independência”, ou seja, não foi com a diarreia de D. Pedro que se conquistou a “independência”, mas ao longo de três anos da data estabelecida pela historiografia oficial. Uma guerra cruel que vitimou entre 2.000 e 3.000 mil pessoas. Em outras palavras, a participação popular no processo de independência deu-se através da guerra, não obstante para atuar como bucha de canhão e morrer à míngua, já que os “nobres” detestavam o trabalho e a luta corporal das batalhas.

Soma-se a estas questões essenciais o fato de que a “Independência” custou dois milhões de libras esterlinas como compensação a Portugal, quando somente em 1825 reconhecera a dissenção brasileira. Como a família real abandonou o Brasil levando toda a sua riqueza acumulada, não havia como pagar esta indenização, tendo que recorrer à ajuda da Inglaterra, criando a primeira dívida externa como país “livre”! Grosso modo, a monarquia brasileira em última instância “comprou” a independência junto à metrópole após sangrenta guerra...

Como pudemos constatar acima, a pusilanimidade entreguista da elite colonial brasileira, de quem a burguesia é caudatária, vem desde a formação histórica do país. Retrospectivamente, as situações de crise que assolaram o país sempre foram resolvidas por intermédio de compromissos entre as diversas facções das classes dominantes, relegando o papel das massas a mera coadjuvantes, amiúde submetidas a forte repressão. Diferente das independências dos demais países da América espanhola, que estabeleceram regimes republicanos ainda no início do século XIX e, consequentemente a abolição da escravatura negra e a servidão indígena, o Brasil firmou-se como uma monarquia absolutista nas mãos de D. Pedro I, escravista até finais do século XIX e submissa aos interesses comerciais ingleses, portanto, uma sociedade desigual altamente concentradora de riquezas nas mãos de poucos.

Somente em 1889 viria a se converter sob a forma de uma “república” via golpe de estado, ainda profundamente desigual e monopolista. Quadro que se manterá até os dias atuais, composto por uma elite branca, velha, rica e eminentemente corrupta associada ao capital financeiro internacional que teve sua assunção graças a um golpe constitucional.