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estroina D. Pedro e sua comitiva, setembro de 1822, deixam a
capital de São Paulo em direção a província de Santos, cidade na qual aconteciam
diversos distúrbios sociais em decorrência da politica inepta do governador e
suas desavenças com a aristocracia rural, mesmo sendo seu “sátrapa” nomeado por
“vossa majestade”. Ao chegar foi recebido com vaias e xingamentos. Para tentar
remediar a crise e cooptar a população, o “eminente” D. Pedro promoveu uma grande
festança que durou a noite inteira. Nem a farra e a bebedeira conseguiram
reverter o quadro, apenas promoveu uma briga generalizada de bêbados e nosso príncipe contraíra uma tremenda dor de barriga! Sem o fito de acalmar os
ânimos, volta correndo a São Paulo. Estafado pela longa viagem, resolve apear
de seu burro às “margens plácidas” do riacho Ipiranga acometido de severa
diarreia. Sujo, mal tendo tempo para colocar as calças, D. Pedro recebe um
estafeta com mensagem de que seu pai, D. João VI, ordenando-o voltar
imediatamente para Portugal a fim de se submeter ao Rei. Junto com esta ordem
recebe outras duas cartas: de José Bonifácio, que aconselhava o príncipe a
romper com o domínio português; e a outra, de sua mulher, D. Leopoldina
(partidária de José Bonifácio), na qual apoiava politicamente a proposta de
Bonifácio. Gritando de dor, em circunstâncias nada glamorosas, D. Pedro teria proferido
o brado da “independência ou morte”, haja vista que sua maior ambição era
estabelecer uma monarquia absolutista no Brasil dirigida por ele próprio. Uma
viagem do Brasil a Portugal demorava dois meses, tempo que os lusitanos levaram
para saber do ato do regente. Porém, para chegar a esse ponto, o custo social
foi muito elevado, uma vez que abarca um longo período, desde primórdios do
século XVIII e desenvolvido com a fuga da família real de Portugal para o
Brasil em 1808. A “corte” lusitana instalou-se no Rio de Janeiro confiscando (roubando)
casas e terras dos brasileiros. As razões da “independência” não foram um ato
isolado da vontade de um dirigente de Estado, mas estão nas novas necessidades
do capitalismo entendido na divisão internacional do trabalho.
SOB A ÉGIDE DA ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL
O velho Continente vivia a época de exploração colonial.
Portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses partiam para explorar os povos do
planeta com suas economias extrativistas e de dizimação de populações inteiras.
Ou como analisou com extrema sofisticação intelectual Caio Prado Júnior: “Depois
daquele passado já remoto do apogeu luso-espanhol, outras potências tinham
vindo ocupar o primeiro lugar no plano internacional: os Países Baixos, a
Inglaterra, a França. No entanto, os domínios ibéricos ainda formavam os
maiores impérios coloniais. Corpos imensos de cabeças pequenas...” (História
econômica do Brasil, cap 13 – Libertação econômica).
Trata-se do capitalismo na sua etapa originária de
acumulação, onde o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas fazia
do trabalho escravo seu principal modo de produção nas colônias impostas a
duras penas pelas monarquias absolutistas que reinavam na Europa. O Antigo
Sistema Colonial começava a entrar em colapso. Nos estertores do século XVIII
avançava o processo da Revolução Industrial na Inglaterra; na França era
deflagrada a revolução politica com a deposição e decapitação da nobreza. Neste
contexto, Espanha e Portugal eram os elos mais fracos da corrente imperialista.
O capitalismo industrial avançava na Europa e na segunda metade do século XVIII
açambarcará aos monopólios coloniais, desvanecendo o poderio das monarquias
ibéricas. Napoleão, com seus métodos e política burgueses invade a Espanha, a
família real portuguesa foge para o Brasil com medo de ser presa e executada, a
exemplo de Luís XVI na França.
Dom João VI e Carlota Joaquina, a família real foge para o Brasil com medo das guerras napoleônicas |
A Inglaterra, após choques militares por toda a Europa, coroa
sua expansão burguesa com seu poderoso esforço industrial e comercial com as
máquinas da Revolução Industrial começando a rodar esfuziadamente. Passa a
dominar as rotas marítimas com o advento revolucionário dos navios a vapor,
quebrando o monopólio colonial imposto por Madri e Lisboa. Vence a Espanha se
valendo da guerra de corso (saques) e Portugal através de tratados e alianças.
As novas engrenagens do mercado obrigam a abertura do comércio nas mais
diversas áreas geográficas do globo. O império inglês pujante labuta por seus
interesses políticos e econômicos interferindo diretamente na autonomia dos
povos americanos de colonização ibérica.
As pressões são intensas sobre Portugal. Em 1820 ocorre a
“Revolta Liberal” – a mal denominada “Revolução do Porto” - que exige o retorno
de D. João VI e a ulterior recolonização do Brasil, como vã tentativa de
enfrentar o dilapidador comércio inglês, novamente sujeitando o Brasil ao
monopólio. Após saquear tudo que acumulara no Brasil (provocou a falência do
Banco do Brasil), a família real resolve voltar a Portugal em 1821, deixando D.
Pedro como príncipe regente.
“INDEPENDÊNCIA” DO BRASIL DIRIGIDA POR ESCRAVOCRATAS E
LATIFUNDIÁRIOS
Ao mesmo tempo em que a metrópole exigia a retomada do
colonialismo, a Inglaterra pressionava pela abolição da escravatura porque este
tipo de mão de obra não consome mercadorias. A classe dominante, por outro
lado, tinha como objetivo perpetuar seu poder em “terras coloniais” a fim de
reinar ela mesma sobre seus domínios, alienando suas províncias.
O processo de “independência” do Brasil foi um fenômeno
político completamente distinto daqueles que houve no restante da América
Latina. Por ser conduzido essencialmente por uma elite oligarca completamente
dissociada dos mais candentes interesses da população pobre assumiu a condição
de extremo conservadorismo.
Dom Pedro e Dona Leopoldina como símbolo da unificação aristocrática em torno da separação de Portugal |
A aristocracia manifestava-se politicamente dividida em
monarquistas, republicanos federalistas ou separatistas. Tais fissuras estavam
mais presentes no Norte, Nordeste, Centro-sul e Sul do país (no próximo artigo
trataremos sobre a “Revolução Farroupilha”). Desde as últimas décadas do século
XVIII ocorriam revoltas contra o “exclusivismo colonial” dos portugueses, como
a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798).
RECEITA DE COMO SE LIVRAR DOS LUSITANOS SEM EXTINGUIR A
ESCRAVIDÃO
Os escravos eram a principal força produtiva da economia
colonial em todas as províncias. Um choque com a metrópole comprometeria o
tráfico negreiro e acenderia a chama da sublevação escrava, a exemplo do que
ocorrera no Haiti em 1804. A guerra implica alistamento - e óbvio, os senhores
de terras e escravos não iriam ao combate – teriam que destacar escravos, o que
alimentaria a fuga em massa e a sede de alforria. Temiam pela formação de
bastiões de resistência ao regime escravocrata e de simpatia ao abolicionismo
inglês. D. João VI, igualmente temeroso escreveu para o filho D. Pedro: “Pedro,
se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que
para algum desses aventureiros”, demonstrando o medo de que um George
Washington, Simón Bolívar ou José de San Martín tomasse conta do processo
político.
O príncipe regente, D. Pedro já começava a preparar suas
malas para fugir do Brasil quando os “fidalgos” brasileiros entram em
convulsão: a aristocracia rural do Sudeste brasileiro, a mais conservadora e
influente, mas almejava a independência, a unidade territorial, a escravidão e
seus privilégios; seguiam-na as do Nordeste e Norte. Todas propunham um acordo
com Portugal para que seja implantado um regime dual entre os dois países.
Claro, as cortes lusitanas negaram peremptoriamente, obrigando a elite
dominante a inclinar-se pela emancipação sem alterar o status quo vigente.
José Bonifácio, o "Patriarca da Independência" dirigiu o pacto entre as oligarquias |
Aos poucos o grande “patriarca” foi assimilando os
interesses negreiros das oligarquias em seu plano de governo, inspirando-os
para promover a “independência” e exaltando o próprio conservadorismo dos
grandes senhores escravocratas. Os parcos resquícios de ideias republicanas,
separatistas e federalistas foram severamente reprimidos ao fio das espadas e
das cordas dos patíbulos. O regime feitorial se manteria ainda em pé por 66
anos!
“INDEPENDÊNCIA OU MORTE”! APENAS MORTE PARA OS POBRES... NA
VERDADE, SUBMISSÃO ÀS NOVAS NECESSIDADES DO MERCADO CAPITALISTA
O dia 7 de setembro de 1822, às margens do Ipiranga teria D.
Pedro declarado o rompimento dos laços de união com Portugal. Em 12 de outubro
fora aclamado imperador com o apoio da aristocracia conservadora. Iniciava-se um
absolutismo sui generis no país dos
papagaios! As elites agroexportadoras estavam felizes, uma vez que seus
privilégios foram todos mantidos: escravidão, latifúndio, economia de
exportação e sua representação monárquica.
A participação popular no processo de independência do Brasil resumiu-se a morrer nas guerras contra mercenários portugueses |
Soma-se a estas questões essenciais o fato de que a
“Independência” custou dois milhões de libras esterlinas como compensação a
Portugal, quando somente em 1825 reconhecera a dissenção brasileira. Como a
família real abandonou o Brasil levando toda a sua riqueza acumulada, não havia
como pagar esta indenização, tendo que recorrer à ajuda da Inglaterra, criando
a primeira dívida externa como país “livre”! Grosso modo, a monarquia
brasileira em última instância “comprou” a independência junto à metrópole após
sangrenta guerra...
Como pudemos constatar acima, a pusilanimidade entreguista da
elite colonial brasileira, de quem a burguesia é caudatária, vem desde a
formação histórica do país. Retrospectivamente, as situações de crise que
assolaram o país sempre foram resolvidas por intermédio de compromissos entre
as diversas facções das classes dominantes, relegando o papel das massas a mera
coadjuvantes, amiúde submetidas a forte repressão. Diferente das independências
dos demais países da América espanhola, que estabeleceram regimes republicanos ainda
no início do século XIX e, consequentemente a abolição da escravatura negra e a
servidão indígena, o Brasil firmou-se como uma monarquia absolutista nas mãos
de D. Pedro I, escravista até finais do século XIX e submissa aos interesses
comerciais ingleses, portanto, uma sociedade desigual altamente concentradora
de riquezas nas mãos de poucos.