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estes dias recentes comemora-se a “Independência do Brasil” como se
fosse algo faustoso, heroico e repentino. Bem diferente do que se ensina no
formalismo escolar, o processo de independência foi tortuoso e cheio de traços emblemáticos-políticos
deflagrados por gestos e faniquitos da família imperial, muito além do que a
literatura positivista quis demonstrar ou imaginar em seu deletério
antimonarquista. No polo oposto do que apregoavam os positivistas-republicanos,
a monarquia brasileira desempenhou um papel importante no desenrolar do
processo de ruptura com Portugal, muito mais como atuação reacionária à nova ordem
mundial, o esfacelamento do antigo sistema colonial e a ascensão do capitalismo
europeu.
Alguns episódios da história brasileira precederam a “Independência”
oficial, demonstrando o grau de descontentamento das forças econômicas nativas.
Foram movimentos de cunho eminentemente social-econômicos e de revolta contra o
antigo sistema colonial: a Confederação do Equador (Pernambuco, Ceará, Paraíba
e Rio Grande do Norte) que se bateu contra o centralismo e o autoritarismo
monárquico dirigido por Portugal, cuja execução estava por conta da família
real brasileira. Na Bahia, a cidade de Cachoeira, chegou a proclamar rompimento
com Portugal em junho de 1822! Portugal mandou bombardear a cidade que,
resistindo, conseguiu vencer as tropas luzas. Resistiu por um ano, até expulsarem
os soldados portugueses da Bahia no dia 2 de julho de 1823 (o 2 de Julho hoje é
feriado na Bahia).
Dom Pedro I deu garantias "constitucionais" e "econômicas" à classe dominante oligárquica |
O chamado “Grito do Ipiranga”
não esteve revestido de real significado, tanto que tal ato somente fora
divulgado na imprensa (elitista em meio a uma população quase que totalmente
analfabeta) duas semanas após. Esteve, isso sim, representado por mais um ato
autoritário de seu signatário, o príncipe Dom Pedro I, revoltado com a revolução
liberal por que passava seu amado reino absolutista de Portugal. Trata-se
da “Revolução do Porto”, de cunho liberal que aconteceu em 1820, durante a qual
Dom João VI resolveu se submeter politicamente aos novos ditames da metrópole,
retornando do Brasil em abril de 1821. Importante salientar, a “nova” camada
dirigente que assumia as rédeas da economia portuguesa, imersa em profunda
crise, determina que a prática colonialista devesse ser retomada e reforçada.
Sete meses depois da nova fuga de Dom João – não sem antes limpar os cofres e
saquear as riquezas do Brasil –, a Corte portuguesa determina que Dom Pedro
deveria voltar imediatamente a seu país.
O príncipe, formado pelos mais rígidos princípios absolutistas,
portanto, se opôs ao nascente liberalismo português. Dom Pedro aliou-se ao
partido brasileiro e a aristocracia rural pronta a vender caro seu apoio (“Dia
do Fico”, um abaixo assinado organizado por Gonçalves Ledo). Precisamente por
isso, não é como alguns historiadores atuais dizem que Dom Pedro estava “de
saco cheio de seu pai dando-lhe ordens”. Sim, falaram mais alto seus interesses
de classe dominante.
A “Revolução do Porto” provocou
a grita das reacionárias oligarquias regionais brasileiras e de comerciante portugueses
residentes que enriqueceram com a economia extrativista determinada pela “abertura
dos portos às nações amigas” ou daqueles que se amancebaram com suas
mucambas. Liberais e conservadores haviam se unido bem antes do “Grito do
Ipiranga”: a convocação da Assembleia Constituinte de 3 de junho de 1822, o
Decreto do dia 1º de agosto que declarou tropas portuguesas em território
brasileiro inimigas e os Manifestos “Ao povo brasileiro” de Joaquim Gonçalves
Ledo1 (1º de agosto) e “Às nações” de José Bonifácio2 (6 de agosto) precedem a Independência. Ou seja,
desde junho a independência estava consumada. A classe dominante, outrossim,
necessitava de um símbolo que aprumasse a seus interesses, haja vista a
dispersão do imenso território brasileiro ainda distante de se constituir uma
nação unificada. Dom Pedro e o Império foram uma saída para a loja maçônica
“Grande Oriente do Brasil”3.
José Bonifácio foi o condutor da Independência oficial |
O “Grito do Ipiranga”, completamente ignorado por todos, tinha que ser
anunciado de alguma forma. A maçonaria, por intermédio de Gonçalves Ledo,
decidiu que a oficialização deveria ocorrer no dia 12 de outubro, data de
aniversário de Dom Pedro, em uma grande festividade pública. Contudo, houve uma
mudança política, pois José Bonifácio e o imperador, ambos da ala mais
reacionária do governo, estavam com medo de uma possível conspiração
maçônica-liberal contra o “novo” regime. Tudo porque a imprensa liberal estava
difundindo que Dom Pedro era um “puro democrata”, o que lhe soou como uma
terrível ofensa e ameaça à monarquia absolutista.
Em decorrência das intoleráveis “ofensas” José Bonifácio – quem de fato
dirigia o governo – desencadeou violenta repressão contra os “conspiradores” filorrepublicanos.
No dia 2 de novembro sofreram severas punições, presos, deportados e alguns até
assassinados. Os nomes que articularam o processo de independência estavam
criminalizados e/ou presos: José Clemente Pereira, Alves Branco Muniz Barreto,
Gonçalves Ledo, General Nóbrega, Cônego Januário e Padre Lessa.
Após este sangrento episódio a
reacionaríssima monarquia recém-inaugurada precisava mostrar detentora de poder
a seus oponentes, onde as massas deveriam estar completamente apartadas. Eis
que no dia 1º de dezembro, sob a tutela de José Bonifácio, Dom Pedro é coroado
imperador do Brasil. Sua gratidão à classe dominante viria sob a forma de
títulos de nobreza e condecorações compradas a peso de ouro. O que seu pai não
levara do Brasil, Dom Pedro se encarregou de esgotar as riquezas tupiniquins...
A Nobreza estava escalada para exercer cargos públicos e afastar assim o
demônio liberal nas hostes imperiais.
O MITO DO HERÓI INSURGENTE
O povo estava bem longe das artimanhas palacianas. O imperador fora
feito como o único artífice e responsável pela Independência, cuja Corte
postulou as comemorações para o dia 7 de setembro, data que ganhou importância
apenas décadas depois. O Brasil estava tomado por inúmeras revoltas armadas
nesse período. Não havia uma unidade nacional, ou inexistia a percepção do que
representava ser brasileiro, uma vez que não existia ainda um Estado nacional.
“Nesse longo período, particularizado geograficamente, o Brasil era pouco mais
do que uma abstração. Até a Independência, em 1822, o nativismo luso-americano
foi sempre regional. Lutou-se e sonhou-se com a independência de Minas Gerais,
de Pernambuco, da Bahia e jamais de um Brasil que pertencia ainda ao futuro”4. Apenas em
1825 o Brasil teve reconhecida a sua autonomia por parte de Portugal, forçado
pela Inglaterra. Contudo, reconhecida após o Brasil pagar uma multa de 2
milhões de libras esterlinas (em empréstimo contraído perante a
Inglaterra). Aqui, em termos historiográficos, há um misto de epopeia
positivista com interesses de classe do império, uma mixórdia que durou muito
pouco.
Assim, cumprida a Independência, perpetuava-se a concentração de renda
no Brasil sob as mãos das oligarquias no que pode ser considerada uma
acumulação primitiva de capital. A classe dominante que tomou para si o
processo de independência não somente manteve em pé a economia escravista como
a reforçou, além de destilar seu ódio de classe contra a população pobre valendo-se
de sangrenta repressão. Não houve ruptura com o sistema colonial, mas uma
extensão do domínio dinástico absolutista e sua submissão às grandes potências
da época.
Notas:
1. “Acordemos, pois generosos habitantes deste vasto e poderoso Império, está dado
o grande passo da vossa Independência (…). Já sois um povo soberano; já
entrastes na grande sociedade das Nações Independentes, a que tínheis todo o direito.”
2. Conclamava governos nações a permanecerem amigas do Brasil, numa forma mais
diplomática de rompimento: a “continuarem como Reino do Brasil as mesmas
relações de mútuo interesse e amizade”. Idem
3. Também chamada de Obediência Maçônica, a GOB participou ativamente em momentos
cruciais da história brasileira, como a abolição da escravatura, a Proclamação
da República e a Independência do Brasil.
4. Mario Maestri: http://www.lainsignia.org/2002/febrero/cul_005.htm