sexta-feira, 13 de maio de 2016

ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA, 13 DE MAIO DE 1888: Regime político escravista verga após três séculos de luta do povo negro! Zumbi dos Palmares, nosso coração e mente!

 

“A acumulação original desempenha na economia política aproximadamente o mesmo papel que o pecado original na teologia. Adão deu uma dentada na maçã, e deste modo o pecado desceu sobre o género humano. A origem daquele é explicada ao ser contada como anedota do passado. Num tempo remoto havia, de um lado, uma elite diligente, inteligente, e sobretudo frugal, e do outro uma escumalha preguiçosa, que dissipava tudo o que tinha e mais” (K. Marx, O Capital - A Chamada Acumulação Original)

P
assados três longos e terríveis séculos dos suplícios da escravidão, a 8 de maio de 1888 o ministro da agricultura conselheiro Rodrigo Augusto da Silva – membro do Partido Conservador - apresenta seu projeto à Câmara dos Deputados, o qual preconizava o fim do trabalho escravo no Brasil. 83 deputados declararam-se favoráveis; 9 foram contra. Aprovado logo foi remetido para o Senado, “onde foi recebido com grande alegria” (Anais do Senado), votado e aprovado no dia 13 e encaminhado para a regente “princesa” Isabel que na mesma tarde assinou a “Lei Áurea” (Lei Imperial n.º 3.353). Porém, muito distante desta visão idílica e ordeira, a realidade foi tremendamente adversa: “Os ex-escravos foram abandonados à sua própria sorte... Se a lei lhes garantia o status jurídico de homens livres, ela não lhes fornecia os meios para tornar sua liberdade efetiva... A Lei Áurea abolia a escravidão mas não seu legado. Trezentos anos de opressão não se eliminam com uma penada” (A abolição, Emília Viotti da Costa). Assim deve ser compreendido o processo da abolição da escravatura no Brasil, ou seja, a lei ainda que de modo deformado, indicava um acirramento da luta de classes durante o período colonial (capitalista). O caráter de classe da “princesa” e seu pai (D. Pedro II) é inquestionável. Agora, de forma alguma pode ser caracterizada como falsa a abolição, pois adotar tal assertiva é corroborar com a ocultação das resistências e lutas heroicas do povo negro que não foram poucas (fugas, justiçamentos de senhores e feitores, rebeliões, quilombolas...), fazendo coro com um “novo” tipo de história segundo o qual a resistência do trabalhador escravizado é negada “em meio a uma sociedade harmônica, que quando o cativo atinge sua alforria sente falta da proteção de seu senhor” (Katia Mattoso) enaltecendo um mundo de sonhos e de “colaboração mútua”.


SUPERESTRUTRA JURÍDICA COMO SÍMBOLO DO ESGOTAMENTO DE UM REGIME

O 13 de maio não caiu do céu, ou fruto de um ato de humanidade ou de princípio moral da princesa Isabel e do Senado ou adveio da Inglaterra capitalista com esses mesmos preceitos. Além de ser a expressão das novas tendências econômicas, ele foi resultado de infindáveis resistências e confrontos contra os senhores escravistas.

"princesa" Isabel e seu pai, D. Pedro II são obrigados a
assinar a Lei Áurea que pôs fim à escravidão no Brasil
Como bem afirma Mario Maestri, ao replicar o neofascismo de Kátia Mattoso: “Resistência expressa através de múltiplas formas singulares de oposição, de vasta e ininterrupta ocorrência - apropriação de bens, sabotagem, suicídio, fuga, revolta, insurreição, quilombo e, sobretudo, o ‘desamor’ ao trabalho” (Como era gostoso ser escravo no Brasil - A Apologia da Servidão Voluntária de Kátia de Queirós Mattoso). Isto porque estavam submetidos a um rígido controle social e repressão. “O escravo era o esqueleto que sustentava os músculos e a carne da sociedade escravista, porque era o produtor da riqueza geral, através de seu trabalho” (Clóvis Moura, Rebeliões da Senzala).

Com bases nestas relações de produções primordiais eclodem o que podemos considerar as primeiras greves de trabalhadores no Brasil, sob as formas passivas e ativas. O suicídio, a depressão (banzo), o infanticídio, fugas individuais/coletivas, organização de quilombolas distantes das cidades, a música, os cultos das divindades, são as manifestações de tipo passiva; as ativas tinham sua expressão nas revoltas urbanas, as guerrilhas nas matas e estradas, solidariedade em movimentos não-escravos, resistência armada às invasões dos quilombos, violência coletiva (justiçamentos) contra senhores ou feitores.

Os quilombos não constituíam apenas formas de enfrentamentos, mas estavam embasados em propostas, ainda que primitivamente, de uma nova sociedade onde não havia divisão de classes, nem exploração, tampouco senhorios. Todos eram bem-vindos à estrutura política-produtiva, brancos marginalizados, índios... Este era o grande “perigo” para o regime escravista! Precisava ser destruído, papel para o qual os Bandeirantes paulistas foram imbuídos. Nestes duros embates de classes, milhares de lutadores deram a sua vida na busca de uma sociedade mais humana e sem exploração, fato que hoje, após 128 anos da assinatura da “Lei Áurea”, é suficiente para determinar a importância do dia 13 de Maio na luta dos explorados sem reverenciar acriticamente o “ato” da princesa Isabel e seus consortes “imperiais” brasileiros.

População ocupa paço municipal do Rio de Janeiro no dia 14 de
maio para receber o anúncio do fim do trabalho escravo
No entanto, como não poderia haver uma consciência de classe dos escravos em meio a uma coletividade – os explorados começariam a se organizar como classe para si apenas nas primeiras décadas do século XX. Marx já advertia que nesta situação o capitalismo revoluciona-se a si mesmo através do desenvolvimento da livre concorrência na Europa abrindo novas necessidades mercantis e industriais. Com o advento do capitalismo industrial a Inglaterra passa a exigir novas relações de produção. Desde o processo de “independência” do Brasil essa regra já começara a valer formulando leis contra a escravidão. Num processo evolutivo vieram a lei Sexagenária, a do Ventre Livre e finalmente a abolição. Vale lembrar, sem hipocrisia, que os maiores e cruéis traficantes de escravos foram os... ingleses! Estima-se que cerca de 6 milhões de escravos foram negociados no porto de Liverpool, cidade conhecida como “capital do comércio transatlântico”, tratado como “business as usual” ou negócio como outro qualquer. Depois de ter enchido as burras a Grã-Bretanha, ao lado da França, toma a dianteira no embate contra o tráfico negreiro... em busca de um mercado consumidor para seus produtos derivados da revolução industrial, preceitos disseminados pela Lei Bill Aberdeen (Slave Trade Suppression Act), de 1845, fomentando movimentos ideológicos abolicionistas em seu quintal e nas colônias. Cinco anos depois, é aprovada a Lei Eusébio de Queiróz que proibia o tráfico de escravos no Brasil [http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=bill-aberdeen-integra-londres-1845]. O capitalismo avançava gradualmente dissolvendo obstáculos postos pelas reacionárias monarquias feudais e sua mentalidade medieval.

O CAPITALISMO LUBRIFICOU SUAS MÁQUINAS COM O SANGUE E SUOR DOS ESCRAVOS. A BURGUESIA COMO “NOVO” SENHOR DOS OPRIMIDOS

A capitalista Inglaterra foi o centro do
comércio negreiro no Atlântico
O pecado original do capitalismo acometeu-se com a mordida da maçã do escravismo colonial. A moderna escravidão surgiu das necessidades de mão de obra abundante a ser deslocada para as Américas. As tribos africanas, consideradas inferiores, “bárbaras e primitivas” por não serem “católicas” foram as escolhidas para alimentar todo um sistema mercantil inaugurado pela nascente burguesia. O caráter pagão dos africanos foi a justificativa ideológica para o uso do negro cativo para expandir as terras das colônias. O conteúdo racista em relação ao “ser inferior” foi a consequência lógica deste sistema. O racismo ideológico e com bases econômicas surgiu abraçado com o capitalismo desde a sua origem, sedimentado pelo pensamento hegemônico à época, a Igreja católica a fim de justificar a opressão econômica e o acúmulo de riquezas com trabalho alheio.

A igreja começou a apoiar abertamente a escravidão do negro africano, através da publicação da bula Romanus Pontifex [http://docslide.com.br/documents/1455-01-08-bula-romanus-pontifex.html], em 1455 do papa Nicolau V. Assim, autorizava com plenos poderes a captura dos negros pelos portugueses. Ali estava toda uma construção ideológica na qual o negro não tinha alma, eram seres inferiores etc. Estavam, sobremaneira, dadas as condições ideais para a expansão da escravidão e do tráfico negreiro e um cabedal de preconceitos, desde antes da “descoberta” do Brasil. Ou seja, o racismo não precede o capitalismo, é antes de tudo uma elaboração deste!!!

Zumbi e Dandara, luta e resistência armada em Palmares
Contudo, não foi apenas com o desenvolvimento do capitalismo que a abolição formal da escravatura aconteceu no Brasil, nem mesmo decorrente de uma benevolência da classe dominante. Há pelo menos três séculos as lutas de enfrentamentos com os senhores eram frequentes. A heroica luta de Zumbi e Dandara em Palmares, as revoltas dos Jangadeiros no Ceará (primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão), a Cabanagem, a Balaiada do Negro Cosme que, no Maranhão, gritava “o Balaio chegou, não tem mais nem sinhô”, a Sabinada, a Revolta dos Malês tendo a frente Luiza Mahin que por pouco não tomou o poder em Salvador, o empenho militante dos tipógrafos abolicionistas mais posteriormente no Rio de Janeiro e São Paulo e tantas outras lutas. Não restam sombras de dúvidas que tais enfrentamentos, por um lado, a custo de muito sangue conduziram a importantes conquistas como a Lei Sexagenária, a Lei do Ventre Livre e, por fim, a Lei Áurea.

O DIA 13 DE MAIO COMO FORMA DE DENÚNCIA DA OPRESSÃO À POPULAÇÃO NEGRA. LUTAR CONTRA O RACISMO É BATER NO CAPITALISMO!

O escravismo moderno e a marginalização
do povo negro
De outro lado, face aos limites claros da lei que não previa o destino dos escravos “libertos”. Havia a excludente “Lei de Terras” que impedia a posse, por menor que seja, de terra dos ex-escravos, a qual expulsara-os do campo e empurrou-os a viverem em quilombos muito pobres (precursores das favelas modernas) ou nas periferias das grandes cidades, ao passo que o Estado, em muitos casos, indenizara os grandes latifundiários com grandes fortunas. O ex-escravo estava entregue a sua própria sorte, e até hoje convive com o estigma da miséria em seu perverso ciclo da pobreza. Para piorar a situação, o governo estimula a vinda dos imigrantes para trabalhar como “assalariados” nas fazendas.

Na atual conjuntura política brasileira, com a deposição da presidenta Dilma, num golpe urdido pela classe dominante que em nada evoluiu desde a época colonial em seus preconceitos e boçalidade, cabe transformar este dia 13 de Maio em uma data de denúncia acerca da situação de exploração e marginalização da população negra e dos ataques a todos os trabalhadores que estão por vir com o governo de bandidos que ascendeu ao Planalto. O mesmo capitalismo que outrora aprisionou o povo negro na escravidão faz o mesmo com o proletariado e, pior ainda, com os trabalhadores negros, amontoando-os em favelas, cortiços, explorando como mão de obra barata na indústria e no campo ou são escolhidos como alvos preferenciais das balas da polícia nos morros.