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om o provir da história inovam-se doutrinas intervencionistas
neocoloniais, a que mais vem se difundindo pelo mundo há pelo menos dez anos se
apodera de inúmeros países semicoloniais: a
denominada lawfare, ou a manifesta ingerência
do Departamento de Estado norte-americano para solidificar a plena ditadura do
capital financeiro em nível mundial, cujas implicações políticas e militares
estratégicas são notórias e suas melhores expressões. Não por coincidência,
teve seu debut a partir da criação da
Office of Global Democracy Strategy (Gabinete
Estratégico para a Democracia Global) durante o governo Clinton e retomado por
Obama, culminando naquilo que foi cunhado pela ex-secretária de estado Hillary
Clinton, a “primavera árabe” apontada para o Magreb e Oriente Médio. Na América
Latina, essa determinação repercutiu olhares estratégicos sob outra forma de
intervenção, embora com mesmo conteúdo sistêmico, a
jurídico-econômica-política. Dessas duas perspectivas torna-se impossível
dissociar as estruturas jurídicas das econômicas, tal como abordaremos nesse
artigo. Novas práticas jurisprudenciais determinam que juízes sejam ao mesmo
tempo promotores e carrascos, sem qualquer isenção especificamente se os
réus-alvos forem líderes de massas com algum grau de progressividade ou
popularidade.
A embaixadora norte-americana esteve "presente" nas maiores crises políticas na América Latina |
Para se compreender a atual conjuntura política é necessária uma
análise contextual de curto alcance referente às arguições acima elencadas. No
Brasil, a etapa “pré-golpe” acompanhou o desenrolar das “revoluções coloridas”
gestadas no período Bush e ulteriormente aprimorada pela gestão Obama/Hillary.
Paralelo a estas mudanças de regime houve várias outras em África, Europa
Oriental (Ucrânia) e na América Latina. Tratava-se de movimentos de grande
envergadura política e militar que transcorreram durante o exercício da madame
Clinton e que tiveram desfechos contundentes no apagar das luzes do governo
Obama, principalmente por sua incapacidade inata em depor o governo sírio, o
que alimentou seu ódio a países não alinhados diretamente ao Consenso de
Washington.
Com bases nesta perspectiva, pode-se
afirmar sem medo de errar que as enormes manifestações de 2013 foram o
despertar do ódio no “quintal” do império e representaram a variação da
“primavera árabe” no Brasil espalhando-se pelo continente latino-americano.
Nesse sentido, há de se lembrar que tudo começara a partir dos indefectíveis
escândalos do vazamento da espionagem da NSA especialmente sobre a Petrobras, concomitante
às operações de desestabilização de regimes de Estado nas mais variadas regiões
geoestratégicas do planeta. O aniquilamento do Iraque foi o tubo de ensaio,
seguiu-lhe Tunísia, Egito, Líbia e Síria (que sob ruínas ainda resiste bravamente).
Não esquecer que esta política estende-se para a América Latina, inclui Honduras
(Zelaya- 2009), o Brasil de 2013, os “protestos” que antecederam a Copa do
Mundo no Brasil, o Paraguai (deposição de Lugo - 2012), as tentativas de golpe
na Bolívia, Equador (2010) e Venezuela (gestão Chávez/Maduro), as manifestações
dos “sojeros” na Argentina contra Cristina Kirchner, as falcatruas do Banco
mundial contra Bachelet no Chile como são expostas pelo El Pais (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/14/economia/1515899491_574904.html).
Todos, conquanto, países claudicantes em relação aos ditames do imperialismo
ianque, mas que marchavam por uma trilha econômica/monetarista relativamente desatrelada
do dólar. Vale destacar que a embaixadora norte-americana Liliana Ayalde estava
presente em todas as crises ocorridas em 2013! Atuou de forma decisiva na
deposição do presidente Lugo no Paraguai e depois de Dilma no Brasil.
Entretanto, estratégias específicas foram sendo aperfeiçoadas: enquanto
nos países árabes o intuito fora a destruição física do Estado, reduzi-los ipsis litteris a pó, aos outros couberam
a intervenção desestabilizadora estrutural mais fina, não bélica, muito embora
possuísse fins nefastos semelhantes, ou seja, destruir as forças produtivas dos
países semicoloniais e as suas periclitantes economias nacionais em beneplácito
ao capital financeiro internacional especulativo. A reestruturação do capital
necessita de um amplo exército de mão de obra barata a ser recrutada entre as
massas desempregadas e sem qualquer lei que as protejam.
A “PRIMAVERA ÁRABE” VERSÃO BRASIL
Após o estouro da bolha especulativa de 2008 na economia mundial, após
a crise do subprime (mercado
imobiliário) de 2007, os EUA adentraram em mais uma crise de superprodução do
capital, abrindo nova etapa de recessão. Entretanto, o capital soergueu-se
graças aos astronômicos aportes estatais às grandes corporações transnacionais
do quilate de uma GM, Esso, Chevron, sistema financeiro global, salvando-se da
bancarrota e, por conseguinte, todo o sistema bursátil internacional em pleno
mandato do “Democrata” Barack Obama. A ele foi incumbida a tarefa de recuperar
esse gigantesco capital doado às “eficientes” grandes empresas privadas e seus
monopólios. O dólar enfraquecido
precisava recuperar seu poder político e militar, para tanto necessitava
reestruturar as forças armadas como polícia do mundo capitalista através do rígido
controle sobre as fontes de energia como o petróleo. Em termos atuais, a
determinação do imperialismo não se limita à pilhagem, mas busca a destruição
dos Estados nacionais com a imposição de políticas ultraneoliberais.
O "justiceiro" a serviço do ultraneoliberalismo |
Neste ínterim, países não alinhados diretamente com o império
conseguiram de certa forma relativa autonomia, cuja materialidade converteu-se no
BRICS, grupo econômico formado pelo Brasil,
Rússia, Índia, China e África do
Sul, proporcionando aos mesmos curto
período de prosperidade ainda que informal, porém inaceitável. Considerada a
crise econômica nos EUA, houve possibilidades de prosperar nos limites das commodities (exportação de produtos in
natura e/ou semi-industrializados), o que incrementa o capital circulante não
produtivo em suas economias. Graças à enorme quantidade de moeda circulante em
decorrência destas exportações, no zênite monetarista do período Mantega no
Brasil, a promoção de crédito corria fácil, proporcionando a ascensão das
classes D e C para a média. Claro, tudo dentro da artificialidade e da ilusão
de permanência estrutural econômica. Na medida em que a economia americana
recuperava-se a custa de novas bolhas especulativas (capital gera capital na
Bolsa de Valores) e da retomada do férreo controle militar sobre os povos
semicoloniais, órgãos de inteligência iam atuando no cenário mundial. O
bombardeio e a destruição da Líbia em 2011 foi um indício deste poderio
reforçado. Reforça-se o protecionismo derivado também desta neo-ascensão, dando
continuidade ao Consenso de Washington (pactuado em 1980 pelas grandes
potências com os países pobres exigindo o “livre comércio” mundial)...
Empecilhos a esta retomada deveriam ser derrubados, qualquer via de
desenvolvimento por mais limitado que fosse estava com seus dias contados.
Regimes na África foram mudados; no Oriente Médio praticamente destruídos
(Iraque, Líbano, Síria) e fortalecido o Estado nazi-sionista de Israel como
gendarme da região. Resta então ao imperialismo dirigir suas atenções ao outro
lado do globo, a América Latina, em especial ao Brasil orientadas sob uma
estratégia diferente para chegar a fins semelhantes à “primavera árabe” através
de uma guerra de novo tipo: a lawfare.
O IMPÉRIO DA LEI COMO ARMA DE GUERRA E A JUSTIÇA COMO CAMPO DE BATALHA
FASCISTA
Não por acaso o termo lawfare
foi cunhado por um militar: “a estratégia do uso – ou mau uso – da lei como um
substituto dos meios militares tradicionais para alcançar um objetivo
operacional.” (https://scholarship.law.duke.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=5892&context=faculty_scholarship).
Acresce notoriamente fins políticos como projeta este site: “Lawfare significa
o uso da lei como uma arma de guerra. denota o abuso das leis ocidentais e
sistemas judiciais para conseguir fins militares estratégicos ou políticos. Lawfare
é inerentemente negativa. Não é uma coisa boa. É o oposto da busca de justiça. É
a apresentação de processos judiciais frívolos e mal uso de processos legais
para intimidar e frustrar adversários no teatro de guerra. Lawfare é o novo
campo de batalha legal.” (https://thelawfareproject.org/).
Ao Brasil começou a ser aplicada durante a ópera bufa do “mensalão”
conduzido histrionicamente pelo ex-ministro e presidente do STF Joaquim
Barbosa, cuja função fora medir forças com o movimento de massas e suas
(corrompidas) direções como a CUT e o PT. Não encontrando resistência, a fração
burguesa aferrada às oligarquias mais reacionárias recorreu a seu plano mais
estratégico de desmoralizar a esquerda brasileira, tendo o PT como seu
arquétipo e aríete.
Havia o momento adequado, não obstante, de intervir após o soerguimento
do governo Obama nos idos dos anos 2012-13, diante da queda brutal dos preços
das commodities em nível mundial por
pressão dos EUA, a aliança espúria do PT com o PMDB para as eleições de 2014.
Destaca-se dentro desta conjuntura, com a evolução econômica dos BRICS em
oposição à ALCA, a compra de aviões caça da Suécia em detrimento da americana
Boeing, de helicópteros da Rússia, submarino nuclear da França e a recusa
preliminar em entregar grande parte do pré-sal diretamente à Chevron. E, sem
deixar de lado, o início da crise econômica que se abatia sobre o governo do PT
com o esgotamento do ciclo monetarista-desenvolvimentista. Todos esses fatores
foram quadruplicados pelo sensacionalismo da mídia corporativa, sendo que a
Rede Globo e a Folha de S.Paulo passavam a ditar a pauta dos acontecimentos,
inclusive nas multitudinárias manifestações anticomunistas de 2013, convencendo
até mesmo grandes setores da esquerda que se proclamam revolucionários.
Não tardou para ser criada a força tarefa da “lava jato”, comandada pelo
obscuro e simpatizante de Mussolini, o juiz de primeira instância Sérgio Moro,
um dos convidados do Projeto Pontes (https://wikileaks.org/plusd/cables/09BRASILIA1282_a.html)
criado na assunção do governo Obama em 2009. Destinava-se à modernização
conservadora dos sistemas liberais em curso no mundo, ou seja, os regimes
dominados pelo velho carcomido e endêmico maquinário de corrupção. Reza o
projeto que “não importa qual seja o motivo, quando os funcionários
estrangeiros recebem subornos, eles
ameaçam a nossa segurança nacional e o sistema internacional de livre mercado
em que negociamos. Só porque estão fora de nossa vista, não significa que
eles estão além do nosso alcance. O FBI usará todos os recursos disponíveis
para pôr fim a esse tipo de comportamento corrupto”. (https://www.justice.gov/opa/pr/odebrecht-and-braskem-plead-guilty-and-agree-pay-least-35-billion-global-penalties-resolve
– grifo meu). Cumpre papel destacado na difusão dessas ideias a Open Society de George Soros, a quem
coube “educar” ideologicamente a mídia corporativa de tipo Murdoch. Todos,
contudo, operando para desestabilizar regimes, e o Brasil sob a administração
petista era um dos alvos preferenciais ou um dos mais importantes. Os institutos Departamento de Estado
americano, ao lado da Divisão Penal do Departamento de Justiça, apostaram suas
fichas na criação de um núcleo de inteira confiança político-jurídico
infiltrados no MP, Judiciário Federal, Polícia Federal, Ministério das Relações
Exteriores, aproveitando a brecha que o governo Lula abriu para autonomia do
Ministério Público.
As veias do judiciário estavam abertas! Agora corre o sangue
contaminado antipovo desde o império do Norte. A lawfare como arma de guerra
está consumada com a finalidade de impor mudanças de governos que sejam
alinhados ao campo ultraneoliberal. Aliás, nem mesmo os EUA estão livres desta
síndrome, pois o idiota (in)útil Trump navega por mares superficiais do mercado
capitalista, não é sobremodo, confiável. Nas palavras do subprocurador geral
estadunidense Kenneth A. Blanco, “os procuradores brasileiros conseguiram um
veredito condenatório contra o ex-presidente Lula da Silva, acusado de receber
subornos da empreiteira OAS em troca de contratos com a Petrobras. Casos como
este são os que colocaram o Brasil no topo do ranking dos países que trabalham
para combater a corrupção tanto dentro quanto fora do país”. (El Clarín, Chile, 23/12/17). Nada mais
claro! Neste esquema jurídico estão implicados procuradores de vários países,
como México, Panamá, Equador, Argentina, Bolívia etc..
A cruzada fundamentalista dos procuradores contra qualquer viés
progressista do movimento de massas ou manifesta no antipetismo está cimentada
nas igrejas pentecostais brasileiras que tem como expoente o patético mauricinho
engomado Deltan Dallagnol e sua trupe de jovens fascistas. Igrejas essas, cujos
missionários são financiados por grandes corporações americanas e até por
tributos públicos brasileiros via CAPES/MEC, contribuem para massificar o
pensamento de extrema direita, muito provavelmente em ligação direta com a CIA.
Nisto, até mesmo o PGR Rodrigo Janot ia constantemente, junto com uma equipe da
Lava Jato aos EUA passar e receber informações acerca do destino da Petrobras.
As estratégias geopolíticas estavam sendo definidas nestes encontros com a
cooperação irresoluta do MPF.
Em consonância com a doutrina jurídica levada a cabo por Moro e
procuradores, respondendo pelo ultraneoliberalismo visavam destruir as já
limitadas forças produtivas do Brasil e de outros países latino-americanos (uma
“Operação Condor” jurídica), obrigando nos “novos” processos jurisprudenciais
que empresas entreguem seus ativos ao capital estrangeiro (a Petrobras doou
nada mais nada menos do que três bilhões de dólares para acionistas americanos
e foi obrigada a importar equipamentos prejudicando substancialmente a
indústria nacional!). As grandes empreiteiras majoritariamente com capital
acionista brasileiro, endividadas, promoveram demissões em massa a fim de
“recuperar sua credibilidade” perante o mercado internacional. Enfim, a financeirização dos Estados é a marca
indelével desta nova etapa do capitalismo mundial, que passa a revelar seu
próprio limite e expõe uma nova explosão da bolha especulativa baseada nas
dívidas de governos e empresas, famílias e pessoas. A produção industrial emuladora
que há reside apenas na destruidora esfera das guerras!
MANTER CORRUPÇÃO SOB TUTELA DA METRÓPOLE, NÃO DAS OLIGARQUIAS
O objetivo aberto com a Operação Pontes jamais foi combater a
corrupção, mas mantê-la sob novas formas e hegemonia do capital financeiro. A
lawfare avança com truculência jurídica sobre governos ditos de centro-esquerda
com a finalidade de derrubá-los e assim abrir de vez mercados e reduzir ao
máximo os impostos a empresas americanas no continente latino-americano. Os principais países estariam assim
entregues à lumpen-burguesia de quinto escalão tal como o staff de Temer e Macri. A meta é instaurar o tratado de “livre
comércio” nas américas, a ALCA. Assim age a direita na Argentina, Peru, Brasil,
Equador como subproduto da ofensiva mundial do capital financeiro para
recuperar a queda da taxa média de lucros após a crise de 2008.
Famiglia Thompson Flores: a sentença de Moro é "irretocável", disse o presidente do TRF-4 |
Acabar com o que resta dos direitos trabalhistas é uma das metas, precarizando
ao máximo o mundo do trabalho, além, é claro, do esfacelamento da previdência
via privatização dos recursos dos contribuintes, dispondo-os no mercado
acionário e sujeitando-os às crises permanentes e oscilações voláteis do
sistema capitalista, ou seja, o pensionista pode perder tudo em poucas horas,
ficando com uma mão na frente e outra atrás!