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13 de Maio, dia que marca a
abolição da escravatura no Brasil pela “princesa” Isabel, tem sido colocado no
limbo da história, entendendo-o como uma farsa e um “beneplácito real”. E aqui
se encaixam tanto as tendências liberais como as ditas da esquerda “identitária”
e partidos ditos revolucionários, claro com as devidas diferenciações e
motivações políticas. No primeiro caso, contudo é compreensível a deturpação e “esquecimento”
do significado histórico da data, mas o movimento negro e esquerda partidária
resulta de sua própria crise de “identidade”, que deveria sim celebrá-la com
todos os auspícios que os acontecimentos exigem! No fundo, esta compreensão parte
de uma historiografia conservadora marcada pela recusa à evolução
revolucionária no Brasil, a de que o povo explorado pudesse ser vanguarda dos
processos políticos enraizados na sociedade escravocrata-patriarcal.
No exterior, Haiti, por exemplo, o establishment escravista foi
derrubado em 1804 por uma violenta ação social dos escravos; nos Estados
Unidos, a Guerra de Secessão (1861-5) provocou a morte de mais de 500 mil
pessoas. No Brasil, segundo historiadores pró-escravistas, a abolição teria
acontecido de forma cordial, sem violência de nenhuma ordem, pois as
instituições monárquicas estavam se adaptando à nova ordem mundial, à
modernidade; estavam sob as mãos de dirigentes de Estado humanos e sensíveis
aos problemas sociais. Nesse emblema se encaixaria perfeitamente a “princesa”
Isabel!!! A redentora! Sensibilizada pelas almas escravizadas, resolveu assinar
a lei que abolira o serviço cativo...
Paradoxalmente, nos estertores dos anos 70 o movimento negro, que na
década anterior havia lançado uma crítica historiográfica às posições acima
levantadas, retoma a visão já superada num retrocesso muito significativo em
termos de conteúdo e visão política. Assim, pela ação “magnânima da princesa os
dirigentes do movimento negro brasileira propuseram a abominação do dia 13 de
Maio, colocando como evento comemorativo o 20 de novembro como dia da
Consciência Negra, a data da morte de Zumbi dos Palmares (1695). Ou seja,
acabam por aderir ao silêncio imposto pelos ideólogos das oligarquias, pondo um
ponto final em um dos mais importantes acontecimentos da história do Brasil: os
rotundos processos abolicionistas de 1887-88.
As palavras de Mario Maestri resumem este lamentável retrocesso na
consciência do movimento: “Em forma alienada e imperfeita, as comunidades
negras sempre intuíram a importância histórica de 1888. Apenas nos últimos anos
essa consciência diluiu-se devido ao proselitismo anti-Abolição, verdadeira
invenção da tradição que resulta em grave perda da memória histórica pelas
classes trabalhadoras e oprimidas, em geral, e afro-descendentes, em
particular.”1. Desconsiderar os embates pretéritos dos escravos é uma
forma de alienação e de esconder o real significado da assinatura da abolição.
A historiadora Lilia Moritz Schwarcz vem corroborar esta tese: “A
abolição foi um processo de luta da sociedade brasileira. Não foi uma lei. Não
foi um presente da princesa (Isabel), como romanticamente se diz. Muitos
setores de classe média e de profissionais liberais aderiram à causa
abolicionista, que vira suprapartidária na década de 1880. É importante
destacar sobretudo a atuação dos escravizados, dos negros, dos libertos, que
pressionaram muito o tempo todo, seja por insurreições, seja por rebeliões
coletivas, rebeliões individuais, suicídios, envenenamentos.”2
REVERENCIAR A LUTA CONTRA A OPRESSÃO E EXPLORAÇÃO
Missa em 17 de maio de 1888, no campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro, celebrando o fim da escravidão |
Podemos expor da seguinte forma a polêmica aberta com o movimento negro:
Palmares cumpriu importante papel na História, um heroico símbolo de
resistência a sanha dos exploradores a serviço do capitalismo europeu em ascensão
durante quase um século. Contudo, não possuía um programa pensado de destruição
de todo o sistema e o regime escravista. Por seus limites intrínsecos, e não
poderia ser diferente, foi derrotado por uma força bélica concentrada de uma
classe oligarca em conjunto. O abolicionismo, ao contrário, foi vitorioso,
evidentemente, considerando-se as forças externas que exigiam o fim do trabalho
escravo. Lembrando que dos 518 anos de existência do “Brasil” quase 400 foram
sob a égide do domínio escravista! Por de lado este longo período é no mínimo
uma excrecência histórico-intelectual, pois oculta o real sentido da luta de
classes entre os exploradores e explorados, a qual marcou essencialmente a
gênese do Brasil. Os Bragança, nos primeiro e segundo reinado, defenderam com
todo entusiasmo que lhe cabiam como classe dominante o regime escravista, dada
a aliança oligarca composta. Tal foi a importância do 13 de maio que até mesmo
Machado de Assis comemorou: “Todos saímos à rua. Todos respiravam felicidade,
tudo era delírio. Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me
lembra ter visto”.3 Em suma, os próprios trabalhadores
escravizados foram os responsáveis pela aceleração do fim do regime de
escravidão, não apenas os abolicionistas brancas, e muito menos a “princesa”.
Muito mais marcante passa a ser os desígnios historiográficos a partir
da década de 90, com o advento do neoliberalismo em quase todo o planeta, numa
época de aberta contrarrevolução cultural e política, na qual o ímpeto era
destruir qualquer indício de mobilizações de massas e de um estímulo marxista
nas academias. Por determinação dos órgãos de Inteligência do imperialismo (CIA
e Departamento de Estado americano) insuflava-se a ideia de uma nova história
baseada em compartilhamento da realidade, do lúdico, pacifista em ação e
pensamentos. A História converteu-se em “entretenimento” do gênero revista “Super
Interessante” ou canal Hystory...
São inúmeras e inolvidáveis as lutas pela emancipação escrava antes de
1888, como o levante dos malês em 1835, na Bahia; a Balaiada, Cabanada,
Confederação do Equador (grande participação escrava), revolta de Carrancas em
Minas Gerais (1883), fugas, revoltas, vários quilombos. Fugas eram frequentes,
principalmente para o Ceará, onde a escravidão havia sido abolida já em 1884.
Assassinatos de seus senhores e feitores também eram comuns. Enfim, muito
sangue negro foi derramado até eclodir o 13 de Maio, por isso jamais devemos
esquecer estes heroicos sacrifícios oriundos uma longa e vasta luta coletiva,
compreendendo-se que a abolição deu inicio à atual classe operária brasileira!
Portanto, o combate permanece, a resistência urge!
Referências:
1 https://www.lainsignia.org/2005/mayo/ibe_028.htm.
Acesso em 12 de maio de 2018.
2 https://www.bbc.com/portuguese/amp/brasil-44034767.
Acesso em 12 de maio de 2018.
3 http://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-sh/lutapelaabolicao.
Acesso em 12 de maio de 2018.