quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

BRUMADINHO, MARIANA: retratos catastróficos de um Brasil colonial em pleno século XXI aportado pelo “dejeitos” intelectuais do bolsonarismo!


Os carniceiros desolaram as ilhas./Guanahaní foi a primeira/nesta história de martírios./Os filhos da argila viram/partido/seu sorriso, ferida”, assim iniciam os versos de Pablo Neruda em seu antológico Canto Geral. Lamento elegíaco que se aplica infelizmente à perfeição no Brasil atual. A catástrofe de Brumadinho é mais uma consequência da devastação ambiental e social promovida pelas mineradoras, as quais têm como único objetivo alçar lucros astronômicos na especulação bursátil providos pelos mais baixos custos possíveis no processo de extração de minérios. Estes irão abastecer as grandes potencias mundiais, em especial, claro, os Estados Unidos, principalmente a indústria bélica. Depósitos de rejeitos são produtos destrutivos mais acabados, vão se acumulando, sendo um após o outro “descartados”, porém continuam recebendo toneladas de produtos tóxicos, ou seja, ficam sem manutenção, mas ainda recebendo chorume. Isto porque a Vale S.A. decidiu ampliar a capacidade do córrego do Feijão em 88%, medida que foi aprovada pelo governo do estado em dezembro do ano passado, então nas mãos do petista Fernando Pimentel, que simplificou o processo de concessão ambiental para a mineradora como se fosse uma exploração de médio porte, mas na verdade, era exatamente o contrário, havia grande potencial destruidor. Deu vazão - sem trocadilho - ao príncipe da privataria tucana. Para tornar claro o significado da tragédia resultante da pilhagem colonialista o artigo versará por alguns pontos fundamentais de forma bastante sintética sem, contudo, cair em simplificações exageradas.


MÉTODO DE EXTRAÇÃO PRIMITIVO, ORIUNDO DO SÉCULO... XVI!

O extrativismo predatório é a marca indelével do colonialismo desde seus primórdios. No capitalismo, contudo, adquire características industriais de grandes proporções, muito embora em moldes sumamente coloniais tipificados na mineração de países como México, Bolívia, Chile, Peru, Cuba – estes sob a ótica do colonialismo espanhol - e, óbvio Brasil (acorrentado por Portugal) no Antigo Sistema Colonial.

Decorridos mais de cinco séculos a América Latina ainda continua à deriva dos interesses hegemônicos dos países industrializados, os quais auferem sua busca do lucro sem importar os meios para atingir este objetivo. Tal mentalidade acentuou-se ainda mais na primeira década deste século, com o aumento das demandas minerais principalmente da China e Estados Unidos em sua frenética necessidade de captar produtos in natura. De acordo com Gonçalves (2016) “minérios metálicos ferrosos e não ferrosos, dentre eles o ferro, cobre, bauxita, nióbio, níquel e ouro, presenciaram rápida exploração e novos investimentos, com impactos na economia e nos territórios de países como Brasil, Peru, Argentina e Chile”.

Empresas transnacionais mergulham de cabeça no chamado mundo das commodities agrominerais, na verdade produtos in natura com baixo valor agregado, mas essenciais para a indústria de alta tecnologia. No Brasil, com seu subsolo privatizado pelos tucanos, atuam BHP Billinton, Glencore Xtrata, Anglo American, Rio Tinto, Vale S.A, Newmont y Gold Corporation, Barrick Gold Corporation e AngloGold Ashanti. Estão da mesma forma agindo em países africanos (só que com massacre militar direto das massas africanas, principalmente na África Subsaariana, no Congo, sob a égide do governo Mobutu).

Portanto, devemos partir de um método de análise direto e objetivo: o ponto nodal do extrativismo mineral está solidamente atado a estratégias de dominação econômica e militar, nas disputas pelas fontes energéticas e matérias-primas, ao desenvolvimento de determinação geopolítica de governos e empresas para aquisição dessas matrizes: “...a existência de vastas jazidas em processo de exploração, como de cobre no Chile ou de minério de ferro no Brasil, desperta a atuação das empresas transnacionais interessadas na geração de lucros em curto prazo, especialmente nos contextos de alta dos preços das commodities minerais como na primeira década do século XXI, conforme as oscilações do mercado mundial” (GONÇALVES, 2016).

Concomitante, para cristalizar estes domínios apostam na subalternidade de governos de países “dependentes” deste modelo exportador primário que tudo transforma em mercadoria: a terra, as águas, o subsolo, a pessoa, o trabalho, tudo decomposto em sinergias drenadas para o mercado mundial da informática, microeletrônica, a química fina e, em pouco tempo, para as inovações quânticas (a resolução da equação do q-bit está a um passo!). Em outras palavras, significa que empresas estrangeiras apropriam-se de uma grande parcela do subsolo a fim de explorá-lo para gerar lucros (e armamentos), não importando o que há na superfície, relegando a nada a biodiversidade e a questão social da região praticamente expropriada e sem quaisquer interesses públicos.

O método "Montante", mais barato, porém instável
OS BANDEIRANTES AINDA SÃO A REFERÊNCIA!

A maioria das empresas citadas adota como método de mineração o mesmo que os bandeirantes praticavam no século XVI! Isto é, extração e lavagem do mineral com água, só que numa escala gigantesca e industrial que implica imensos volumes de resíduos tóxicos que são depositados em grandes represas, aliada à dizimação da população nativa. O descarte, lixo tóxico, derivado da lavagem do mineral é feito pelo sistema “Montante”. De acordo com Cardoso (2016), consiste no alteamento da barragem com o próprio rejeito mineral: “Embora este seja o mais utilizado pela maioria das mineradoras, o método de montante apresenta um baixo controle construtivo tornando-se crítico principalmente em relação à segurança... método de alteamento à montante representa um desafio no âmbito geotécnico devido às tensões induzidas, potencial de liquefação e não consolidação do material utilizado como fundação”. É o mais barato. Enfim, como demonstra a figura, quanto mais ganha altura, tanto mais estrangula o lixo tóxico, causando imensa tensão na barragem.

PRIVATISMO, FRAUDE, BANCADA DA LAMA, INCENTIVO DO PT

Fernando Pimentel,
governador de MG
em 2015
No âmbito da economia, o rompimento da Vale no Córrego do Feijão, em Brumadinho é uma consequência lógica do exposto acima. Todas as grandes mineradoras trilham pelas veredas e oscilações do mercado mundial: quando o preço dos minérios cai, para manterem seus lucros cortam custos, terceirizam mão de obra, precarizam a manutenção e segurança de barragens, quando não muito descartando mesmo. No plano estratégico, as mineradoras intensificam seus lobbies no parlamento com a finalidade de evitar legislação mais dura em relação ao extrativismo primário. Compram muitos deputados estaduais, federais e senadores. Burlam acintosamente a legislação tributária do país: exporta por empresas coligadas em paraísos fiscais a custos irrisórios, as quais depois vendem os produtos a preço de mercado, fraudando os tributos devidos no Brasil, algo em torno de doze bilhões de dólares ao ano. 80% das exportações brasileiras foram parar nas mãos de empresas com sede na Suíça, nata dos paraísos fiscais do mundo financeiro e toda cepa de rentistas.

Recentemente a chamada “bancada da lama” barrou uma série de medidas preventivas contra tragédias e crimes ambientais praticados pelas mineradoras. Os deputados Tadeu Martins Leite (MDB), Gil Pereira (PP) e Thiago Cota (MDB), afirmando que a possível aprovação do projeto de lei inviabilizaria a mineração em Minas Gerais. Na Câmara, o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG), fiel aliado de Eduardo Cunha, é o testa de ferro das mineradoras. Não se reelegeu, mas está com posto chave no governo Bolsonaro. A Vale, em 2014, destinou cerca de R$ 100 milhões para comprar políticos. Em 2015, o governo petista de Pimentel aprovou o PL2946/15, que favorece a aceleração de concessões de licenças ambientais para as mineradoras, uma antiga reivindicação das mineradoras no estado, flexibiliza ainda mais a legislação outrora laxa.

Artigo da Carta Capital (29/01) ressalta que “a Vale não devolve o que deveria para a coletividade que a abriga. A empresa é uma expressão perfeita do capitalismo neoliberal. A concorrência impõe a lógica do capitalismo sobre cada empresa: reduzir custos por todos os meios e se apropriar gratuitamente de recursos coletivos e naturais não renováveis até seu esgotamento. Já o neoliberalismo exalta a empresa e deslegitima o poder público que poderia impor regras e custos para as empresas”. O método de ação do ultraneoliberalismo é esse mesmo, permanecer acima de tudo e de todos em benefício de um punhado de capitalistas. Só para se ter uma ideia do potencial das minas brasileiras, em especial o nióbio, conforme o Wikileaks (em 2010), “vazou um documento do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que colocava as minas de nióbio no Brasil na lista de locais cujos recursos e infraestrutura são essenciais e estratégicos para os EUA” (Técnico e Mineração, 2014), como resultado de sua geopolítica.

A ganância capitalista resulta em centenas de corpos
A estes criminosos o atual governo mafioso/miliciano se declarou ser fiel, argumentando que a vida dos empresários é difícil e que a legislação ambiental e trabalhista impede que eles enriqueçam ainda mais. O poder da Vale é tão extenso que mesmo após o crime cometido em Mariana, em 2017 mudaram o regime societário da empresa para novas políticas de mercado e de dividendos, os lucros, assim, chegaram a valorizar 83% e em 2018 atingiu o seu zênite econômico de 300 bilhões de reais... As “multas” (que não são pagas) por desrespeito às frágeis leis ambientais fazem parte da estratégia comercial, entram no cálculo de custos das empresas: o que é um bilhão de reais perante os 300 bilhões?

A Vale do Rio Doce, foi criada em 1942, por Getúlio Vargas, com recursos do Tesouro Nacional, permaneceu durante 55 anos sob controle estatal. Fernando Henrique Cardoso e sua anturragem plumada acabou com este status quo, entregou de bandeja a empresas estrangeiras a preços subfaturados e com dinheiro do BNDES! A “iniciativa privada” não desembolsou um centavo sequer, pois “pagou” ao Brasil com títulos e moedas podres. FHC, Serra ganharam suas polpudas propinas.

CRIMES ERIGIDOS NA LAMA DO ULTRANEOLIBERALISMO

O modelo privatizado mudou severamente a forma de atuar nas regiões de mineração, cuja expressão doravante é o autoritarismo e ação muito mais predatória em relação ao meio ambiente e aos aspectos socioculturais, além do aumento da produção, da jornada de trabalho dos operários, os quais também acarretam maior acúmulo de rejeitos. Impera, em sua substância, os interesses dos acionistas e dos rentistas do mercado financeiro. O real dono da Vale é Benjamin Steinbruch, que além de devastar os verdes vales mineiros amparado pela lei, possui dezenas de minas clandestinas, mais precisamente do metal mais valorizado, o nióbio, absolutamente sem nenhum controle do Estado. Do STF à Globo, todos protegem este impávido criminoso. A política de Steinbruch beira à insanidade ao construir a sede da empresa logo abaixo da barragem de lixo tóxico, condenando à morte cerca de 500 trabalhadores.

O completo descaso com a vida humana e o ecossistema não são mero acaso. Faz parte das grandes corporações, que entendem como “acidentes de percurso”. Nem sequer a sirene foi acionada para avisar a população em Brumadinho, tal é o interesse do capital em preservar a vida. No rol das barragens em risco de rompimento estão mais 80 represas (a de Brumadinho nem constava como de risco...). Bolsonaro e Guedes já anunciaram que vão diminuir a fiscalização das mineradoras e que a sanha privatista irá seguir (CEMIG, Eletrobras, Petrobras, aeroportos) incólume, salientando que os “dejeitos” – emanados de seu cérebro grotesco – da Vale e não têm nada a ver com o governo federal. Qualifica como “acidente” (tal qual a empresa ultraneoliberal) o crime praticado pela Vale. Esta politica criminosa somente poderá ser revertida com a reestatização da Vale, controlada em todos os seus âmbitos pelos trabalhadores e comunidades, sendo necessária a contraposição ao governo neofascista/milicianista encastelado no Planalto. Todos os bens da empresa devem ser confiscados para indenizar as centenas de mortos em Brumadinho. Prisão para Steinbruch, que desde o desastre criminoso de Mariana, está livre, leve, solto e com os bolsos cheios de dinheiro, enquanto o povo morre encoberto pela lama tóxica do capital!


Referências bibliográficas:                        

CARDOZO, F. A. C., M. M. Pimenta e A. C. Zingano. Métodos construtivos de barragens de rejeitos de mineração – uma revisão. In Holos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2016.


GONÇALVES, Ricardo J. A. F. Capitalismo extrativista na América Latina e as contradições da mineração em grande escala no Brasil. In Cadernos Prolam/USP, v.15, n.29, p.38-55, jul/dez.2016.

Técnico e Mineração https://tecnicoemineracao.com.br/tecnicas-de-disposicao-de-rejeitos/ acesso em 29 de janeiro 2019.