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Os carniceiros desolaram as ilhas./Guanahaní foi a primeira/nesta
história de martírios./Os filhos da argila viram/partido/seu sorriso, ferida”,
assim iniciam os versos de Pablo Neruda em seu antológico Canto Geral. Lamento elegíaco que se aplica infelizmente à perfeição
no Brasil atual. A catástrofe de Brumadinho é mais uma consequência da
devastação ambiental e social promovida pelas mineradoras, as quais têm como
único objetivo alçar lucros astronômicos na especulação bursátil providos pelos
mais baixos custos possíveis no processo de extração de minérios. Estes irão
abastecer as grandes potencias mundiais, em especial, claro, os Estados Unidos,
principalmente a indústria bélica. Depósitos de rejeitos são produtos
destrutivos mais acabados, vão se acumulando, sendo um após o outro “descartados”,
porém continuam recebendo toneladas de produtos tóxicos, ou seja, ficam sem
manutenção, mas ainda recebendo chorume. Isto porque a Vale S.A. decidiu
ampliar a capacidade do córrego do Feijão em 88%, medida que foi aprovada pelo
governo do estado em dezembro do ano passado, então nas mãos do petista
Fernando Pimentel, que simplificou o processo de concessão ambiental para a
mineradora como se fosse uma exploração de médio porte, mas na verdade, era
exatamente o contrário, havia grande potencial destruidor. Deu vazão - sem trocadilho - ao príncipe da privataria tucana. Para tornar claro o
significado da tragédia resultante da pilhagem colonialista o artigo versará
por alguns pontos fundamentais de forma bastante sintética sem, contudo, cair
em simplificações exageradas.
MÉTODO DE EXTRAÇÃO PRIMITIVO, ORIUNDO DO SÉCULO... XVI!
O extrativismo predatório é a marca indelével do colonialismo desde
seus primórdios. No capitalismo, contudo, adquire características industriais
de grandes proporções, muito embora em moldes sumamente coloniais tipificados
na mineração de países como México, Bolívia, Chile, Peru, Cuba – estes sob a
ótica do colonialismo espanhol - e, óbvio Brasil (acorrentado por Portugal) no
Antigo Sistema Colonial.
Decorridos mais de cinco séculos a América Latina ainda continua à
deriva dos interesses hegemônicos dos países industrializados, os quais auferem
sua busca do lucro sem importar os meios para atingir este objetivo. Tal mentalidade
acentuou-se ainda mais na primeira década deste século, com o aumento das
demandas minerais principalmente da China e Estados Unidos em sua frenética
necessidade de captar produtos in natura.
De acordo com Gonçalves (2016) “minérios metálicos ferrosos e não ferrosos,
dentre eles o ferro, cobre, bauxita, nióbio, níquel e ouro, presenciaram rápida
exploração e novos investimentos, com impactos na economia e nos territórios de
países como Brasil, Peru, Argentina e Chile”.
Empresas transnacionais mergulham de cabeça no chamado mundo das commodities agrominerais, na verdade
produtos in natura com baixo valor agregado, mas essenciais para a indústria de
alta tecnologia. No Brasil, com seu subsolo privatizado pelos tucanos, atuam
BHP Billinton, Glencore Xtrata, Anglo American, Rio Tinto, Vale S.A, Newmont y
Gold Corporation, Barrick Gold Corporation e AngloGold Ashanti. Estão da mesma
forma agindo em países africanos (só que com massacre militar direto das massas
africanas, principalmente na África Subsaariana, no Congo, sob a égide do
governo Mobutu).
Portanto, devemos partir de um método de análise direto e objetivo: o
ponto nodal do extrativismo mineral está solidamente atado a estratégias de
dominação econômica e militar, nas disputas pelas fontes energéticas e
matérias-primas, ao desenvolvimento de determinação geopolítica de governos e
empresas para aquisição dessas matrizes: “...a existência de vastas jazidas em
processo de exploração, como de cobre no Chile ou de minério de ferro no
Brasil, desperta a atuação das empresas transnacionais interessadas na geração
de lucros em curto prazo, especialmente nos contextos de alta dos preços das commodities minerais como na primeira
década do século XXI, conforme as oscilações do mercado mundial” (GONÇALVES,
2016).
Concomitante, para cristalizar estes domínios apostam na subalternidade
de governos de países “dependentes” deste modelo exportador primário que tudo
transforma em mercadoria: a terra, as águas, o subsolo, a pessoa, o trabalho,
tudo decomposto em sinergias drenadas para o mercado mundial da informática,
microeletrônica, a química fina e, em pouco tempo, para as inovações quânticas
(a resolução da equação do q-bit está a um passo!). Em outras palavras,
significa que empresas estrangeiras apropriam-se de uma grande parcela do
subsolo a fim de explorá-lo para gerar lucros (e armamentos), não importando o
que há na superfície, relegando a nada a biodiversidade e a questão social da
região praticamente expropriada e sem quaisquer interesses públicos.
O método "Montante", mais barato, porém instável |
OS BANDEIRANTES AINDA SÃO A REFERÊNCIA!
A maioria das empresas citadas adota como método de mineração o mesmo
que os bandeirantes praticavam no século XVI! Isto é, extração e lavagem do
mineral com água, só que numa escala gigantesca e industrial que implica
imensos volumes de resíduos tóxicos que são depositados em grandes represas,
aliada à dizimação da população nativa. O descarte, lixo tóxico, derivado da
lavagem do mineral é feito pelo sistema “Montante”. De acordo com Cardoso
(2016), consiste no alteamento da barragem com o próprio rejeito mineral:
“Embora este seja o mais utilizado pela maioria das mineradoras, o método de
montante apresenta um baixo controle construtivo tornando-se crítico
principalmente em relação à segurança... método de alteamento à montante
representa um desafio no âmbito geotécnico devido às tensões induzidas, potencial
de liquefação e não consolidação do material utilizado como fundação”. É o mais
barato. Enfim, como demonstra a figura, quanto mais ganha altura, tanto mais
estrangula o lixo tóxico, causando imensa tensão na barragem.
PRIVATISMO, FRAUDE, BANCADA DA LAMA, INCENTIVO DO PT
Fernando Pimentel, governador de MG em 2015 |
No âmbito da economia, o rompimento da Vale no Córrego do Feijão, em
Brumadinho é uma consequência lógica do exposto acima. Todas as grandes
mineradoras trilham pelas veredas e oscilações do mercado mundial: quando o
preço dos minérios cai, para manterem seus lucros cortam custos, terceirizam
mão de obra, precarizam a manutenção e segurança de barragens, quando não muito
descartando mesmo. No plano estratégico, as mineradoras intensificam seus
lobbies no parlamento com a finalidade de evitar legislação mais dura em
relação ao extrativismo primário. Compram muitos deputados estaduais, federais
e senadores. Burlam acintosamente a legislação tributária do país: exporta por
empresas coligadas em paraísos fiscais a custos irrisórios, as quais depois
vendem os produtos a preço de mercado, fraudando os tributos devidos no Brasil,
algo em torno de doze bilhões de dólares ao ano. 80% das exportações
brasileiras foram parar nas mãos de empresas com sede na Suíça, nata dos paraísos
fiscais do mundo financeiro e toda cepa de rentistas.
Recentemente a chamada “bancada da lama” barrou uma série de medidas
preventivas contra tragédias e crimes ambientais praticados pelas mineradoras.
Os deputados Tadeu Martins Leite (MDB), Gil Pereira (PP) e Thiago Cota (MDB),
afirmando que a possível aprovação do projeto de lei inviabilizaria a mineração
em Minas Gerais. Na Câmara, o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG), fiel aliado
de Eduardo Cunha, é o testa de ferro das mineradoras. Não se reelegeu, mas está
com posto chave no governo Bolsonaro. A Vale, em 2014, destinou cerca de R$ 100
milhões para comprar políticos. Em 2015, o governo petista de Pimentel aprovou
o PL2946/15, que favorece a aceleração de concessões de licenças ambientais
para as mineradoras, uma antiga reivindicação das mineradoras no estado,
flexibiliza ainda mais a legislação outrora laxa.
Artigo da Carta Capital (29/01) ressalta que “a Vale não devolve o que
deveria para a coletividade que a abriga. A empresa é uma expressão perfeita do
capitalismo neoliberal. A concorrência impõe a lógica do capitalismo sobre cada
empresa: reduzir custos por todos os meios e se apropriar gratuitamente de
recursos coletivos e naturais não renováveis até seu esgotamento. Já o
neoliberalismo exalta a empresa e deslegitima o poder público que poderia impor
regras e custos para as empresas”. O método de ação do ultraneoliberalismo é
esse mesmo, permanecer acima de tudo e de todos em benefício de um punhado de
capitalistas. Só para se ter uma ideia do potencial das minas brasileiras, em
especial o nióbio, conforme o Wikileaks (em 2010), “vazou um documento do
Departamento de Estado dos Estados Unidos, que colocava as minas de nióbio no
Brasil na lista de locais cujos recursos e infraestrutura são essenciais e
estratégicos para os EUA” (Técnico e Mineração, 2014), como resultado de sua
geopolítica.
A ganância capitalista resulta em centenas de corpos |
A estes criminosos o atual governo mafioso/miliciano se declarou ser
fiel, argumentando que a vida dos empresários é difícil e que a legislação
ambiental e trabalhista impede que eles enriqueçam ainda mais. O poder da Vale
é tão extenso que mesmo após o crime cometido em Mariana, em 2017 mudaram o regime
societário da empresa para novas políticas de mercado e de dividendos, os
lucros, assim, chegaram a valorizar 83% e em 2018 atingiu o seu zênite
econômico de 300 bilhões de reais... As “multas” (que não são pagas) por
desrespeito às frágeis leis ambientais fazem parte da estratégia comercial,
entram no cálculo de custos das empresas: o que é um bilhão de reais perante os
300 bilhões?
A Vale do Rio Doce, foi criada em 1942, por Getúlio Vargas, com
recursos do Tesouro Nacional, permaneceu durante 55 anos sob controle estatal.
Fernando Henrique Cardoso e sua anturragem plumada acabou com este status quo,
entregou de bandeja a empresas estrangeiras a preços subfaturados e com
dinheiro do BNDES! A “iniciativa privada” não desembolsou um centavo sequer,
pois “pagou” ao Brasil com títulos e moedas podres. FHC, Serra ganharam suas polpudas
propinas.
CRIMES ERIGIDOS NA LAMA DO ULTRANEOLIBERALISMO
O modelo privatizado mudou severamente a forma de atuar nas regiões de
mineração, cuja expressão doravante é o autoritarismo e ação muito mais
predatória em relação ao meio ambiente e aos aspectos socioculturais, além do
aumento da produção, da jornada de trabalho dos operários, os quais também
acarretam maior acúmulo de rejeitos. Impera, em sua substância, os interesses
dos acionistas e dos rentistas do mercado financeiro. O real dono da Vale é Benjamin
Steinbruch, que além de devastar os verdes vales mineiros amparado pela lei,
possui dezenas de minas clandestinas, mais precisamente do metal mais
valorizado, o nióbio, absolutamente sem nenhum controle do Estado. Do STF à
Globo, todos protegem este impávido criminoso. A política de Steinbruch beira à
insanidade ao construir a sede da empresa logo abaixo da barragem de lixo
tóxico, condenando à morte cerca de 500 trabalhadores.
O completo descaso com a vida humana e o ecossistema não são mero
acaso. Faz parte das grandes corporações, que entendem como “acidentes de
percurso”. Nem sequer a sirene foi acionada para avisar a população em
Brumadinho, tal é o interesse do capital em preservar a vida. No rol das
barragens em risco de rompimento estão mais 80 represas (a de Brumadinho nem
constava como de risco...). Bolsonaro e Guedes já anunciaram que vão diminuir a
fiscalização das mineradoras e que a sanha privatista irá seguir (CEMIG,
Eletrobras, Petrobras, aeroportos) incólume, salientando que os “dejeitos” –
emanados de seu cérebro grotesco – da Vale e não têm nada a ver com o governo
federal. Qualifica como “acidente” (tal qual a empresa ultraneoliberal) o crime
praticado pela Vale. Esta politica criminosa somente poderá ser revertida com a
reestatização da Vale, controlada em todos os seus âmbitos pelos trabalhadores
e comunidades, sendo necessária a contraposição ao governo neofascista/milicianista
encastelado no Planalto. Todos os bens da empresa devem ser confiscados para
indenizar as centenas de mortos em Brumadinho. Prisão para Steinbruch, que
desde o desastre criminoso de Mariana, está livre, leve, solto e com os bolsos
cheios de dinheiro, enquanto o povo morre encoberto pela lama tóxica do capital!
Referências bibliográficas:
CARDOZO, F. A. C., M. M. Pimenta e A. C. Zingano. Métodos construtivos
de barragens de rejeitos de mineração – uma revisão. In Holos. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. 2016.
Carta Capital https://www.cartacapital.com.br/opiniao/lucro-acima-de-tudo-lama-em-cima-de-todos/?utm_campaign=newsletter_rd_-_30012019&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
acesso em 28 de janeiro 2019.
GONÇALVES, Ricardo J. A. F. Capitalismo extrativista na América Latina
e as contradições da mineração em grande escala no Brasil. In Cadernos
Prolam/USP, v.15, n.29, p.38-55, jul/dez.2016.
Técnico e Mineração https://tecnicoemineracao.com.br/tecnicas-de-disposicao-de-rejeitos/
acesso em 29 de janeiro 2019.