quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

PESSOAL DO CEARÁ: Vida, amor e liberdade acima do Sul, onde nasce Terral, o “luxo da aldeia”!!!


‎By Reggis de Oliveira‎
          & André Fava

F
oi um movimento cultural brasileiro surgido em meados da década de 1960, sendo um dos mais importantes movimentos da música contemporânea cearense. O movimento começou após surgir no Ceará um grupo de artistas e intelectuais que pensavam, criavam, recriavam todas as questões que inquietavam o país na época. Entre seus integrantes existiam filósofos, físicos, químicos, arquitetos, músicos, poetas, cantores e atores. Eis seus nomes: Ednardo, Manassés, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra, Cirino, Manassés; letristas Fausto Nilo, Augusto Pontes e Brandão; as cantoras Téti e Amelinha e na poesia Patativa do Assaré. O artigo aqui pretende apenas dar uma visão geral deste movimento bastante profícuo que influenciou geração de músicos e guardou em nossas memórias afetivas canções inesquecíveis. Para uma pesquisa mais aprofundada, elenco nas referências uma bibliografia e videografias básicas para consultas.

Encarte do disco "Pessoal do Ceará"
Contudo, não se resumia ao regionalismo cultural cearense, havia um alcance mais abrangente como ressalta Costa (2012): “outros nordestinos parceiros em composições e gravações: os piauienses Jorge Mello, Clodo, Climério e Clésio; os músicos Hermeto Paschoal (alagoano), Robertinho de Recife, Naná Vasconcelos e Dominguinhos (pernambucanos); os letristas Capinam (baiano) e Ferreira Gullar (maranhense); os compositores pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo e os paraibanos Zé Ramalho e Vital Farias. De outras regiões, a cantora Nara Leão (capixaba) e os letristas Abel Silva e Ronaldo Bastos (cariocas)”.

Em 1971 houve o IV Festival Universitário, e o cantor Belchior ganhou o primeiro lugar do festival com a com a música “Hora do Almoço”. A vitória do Belchior mostrou ao Brasil, e ao próprio Ceará, que a música cearense concorria com a nacional.

Anos depois, ele e Belchior, se reencontraram em São Paulo e foram convidados a fazer um programa de entrevistas na TV Cultura, chamado “Proposta”, que contava ainda com Ednardo e Téti. Semanalmente, os quatro eram provocados a compor e apresentar durante as gravações canções que estivessem ligadas ao assunto abordado com o entrevistado. Um dos entrevistados do programa foi o produtor musical Walter Silva, que quis produzir um disco com eles. Assim foi elaborado e construído o LP Pessoal do Ceará – Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem. Belchior e Fagner não entraram no disco porque já tinham projetos solos encaminhados. O disco, não obstante, chegou a incomodar os militares à época em função de seu conteúdo fortemente libertário: “...Ednardo foi chamado à Polícia Federal, (...) a frase ‘braços, corpos suados / a praia fazendo amor’ [Terral] seria uma apologia e incitação à sexualidade”. Foi obrigado a alterar a letra para “falando amor”, como hoje conhecemos em Terral (https://bit.ly/2Qq9Knk).

Belchior e Fagner não participaram
diretamente do movimento, pois já dispunham
de contratos comerciais
O marco deste movimento aconteceu em 1972, quando a gravadora Continental lançou o belíssimo e viajante disco “Pessoal do Ceará – Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem” (http://twixar.me/XzwT), que introduziu novos compositores cearenses no mercado fonográfico. A ideia de criar o “Pessoal do Ceará” partiu de Augusto Pontes, tendo como base os movimentos Tropicália e Clube da Esquina. O resultado final foi graças a Ednardo, Rodger Rogério e Téti. Pouco depois, outros dois cearenses fizeram seus LPs: Fagner (“Manera Fru Fru, manera”, 1973) e Belchior (“A palo seco”, 1974). Desta forma, o “Pessoal do Ceará” encontra-se inserido no contexto sócio-cultural dos movimentos musicais daquela época, marcado pela atmosfera dos festivais e pelo engajamento político". Em 1974, o “Romance do pavão mysterioso”, de Ednardo, veio coroar o movimento em sua expressão nacional, sendo tema de novela em horário nobre da Rede Globo de televisão.

O movimento iniciou-se entre estudantes da Universidade Federal do Ceará, então centro das discussões intelectuais de Fortaleza. Os jovens ouviam de forró a bossa nova, Tropicália e Beatles. Essa mistura de influências começou a resultar em sons nunca ouvidos no lugar. Tudo com letras inspiradas, que reproduziam o anseio por mudanças estéticas, muito embora o movimento nunca tenha adquirido uma centralidade, a exemplo do que acontecia com o “Clube da Esquina” de Milton Nascimento (COSTA, 2012). Tinha muito mais a ver com uma frente estética do que um movimento plenamente constituído, haja vista que as diferenças entre os sujeitos (os agentes no sentido freireano) advindos do movimento cultural universitário cearense. Fagner, que não fazia parte do grupo, sensibilizado pela dinâmica dos jovens artistas, foi a ponte para que o Pessoal do Ceará aportasse no cenário musical em nível nacional, a fim de resgatar a identidade e tradições populares nordestinas, a tematização autor/lugar de origens e seus devaneios amorosos, a nostalgia de infância e a incorporação da poesia concretista adaptada à realidade a qual estavam vinculados regionalmente. Rodger Rogério disse acerca dos aspectos aqui realçados: “Se era um movimento eu não sei, mas era uma movimentação muito livre e à vontade. A gente queria era cantar e não tinha ideia de mercado” (RESISTÊNCIA E REINVENÇÃO, 2017). O nome, Pessoal do Ceará, surgiu ao acaso: “Em uma das primeiras entrevistas o repórter não conseguiu lembrar o nome de nós todos e assim começou a nos chamar de pessoal do Ceará e a gravadora resolveu usar” (idem).

O disco de lançamento do "Pessoal do Ceará"
O “Pessoal do Ceará” não era um conjunto vocal, era um grupo de mensageiros onde cada integrante passava a sua mensagem, da sua forma. Antes de tudo, em meados da década de 60, a repressão da ditadura militar fomentava a turma de artistas que circulavam na Faculdade de Arquitetura e Bar do Anísio, em Fortaleza. A resposta para a pouca liberdade e tempos de tortura foi a arte, a música, a poesia, o teatro, as ramificações onde a alma descreve e liberta do calabouço do sistema que tentava desesperadamente calar os gritos revolucionários que escapavam da censura. O caldeirão multicultural impulsionou do “Pessoal do Ceará”. O mar do Mucuripe, na Beira Mar de Fortaleza, inspirou a safra artística que arrumava espaço em meio a repressão” (MOVIMENTO). Em 1979 o grupo - ou o Pessoal! - tentou se reagrupar no “Massafeira Livre”, show que ocorreria no Teatro José de Alencar e posteriormente registrado num disco duplo.(https://url.gratis/x2FyY).

Surgiam harmonicamente maracatus, toadas, sertanejos, rocks e canções psicodélicas de vários compositores locais. Nosso trabalho foi todo feito com o mesmo amor e carinho como se tecem os lindos bordados que esta capa estampa, apresentava o texto do disco. A música Terral resumia o movimento: Eu sou do luxo da aldeia / Eu sou do Ceará.





Referência bibliográficas:


DA COSTA, Nelson Barros. Cordas vocais de aço – a música cearense da década de 70. 2012 http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/31818/1/2012_eve_nbcosta.pdf

DE CASTRO, Wagner José Silva. No tom da canção cearense: do rádio e TV, dos lares e bares na era dos festivais (1963-1979). Fortaleza, 2009 http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/3389.

Disco PESSOAL DO CEARÁ – Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem. https://www.youtube.com/watch?v=qPUfpBKnl0Y

MOVIMENTO. Pessoal do Ceará que incomodou e encantou o Brasil. 2017. https://jangada.online/cultura/musica/pessoal-do-ceara-que-incomodou-e-encantou-o-brasil/

PONTES, Augusto. Massafeira. Coordenação musical Rodger Rogério, Petrúcio Maia e Stélio Valle. Direção artística Ednardo. https://www.youtube.com/watch?v=HwZdLdgLCHg

Resistência e Reinvenção do “Pessoal do Ceará” na Bienal da UNE. 2017. https://une.org.br/noticias/resistencia-e-reinvencao-do-pessoal-do-ceara-na-bienal-da-une/





ANEXOS

I) Disco Pessoal do Ceará – Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem

Lado A

1. Ingazeiras (Ednardo ) – voz: Ednardo
2. Terral (Ednardo ) – voz: Ednardo
3. Cavalo Ferro (Fagner/Ricardo Bezerra) – voz: Ednardo, Tétty e Rodger
4. Curta-metragem (Rodger Rogério/Dedé) – voz: Tétty
5. Falando da vida (Rodger Rogério/Dedé) – voz: Rodger Rogério
6. Dono dos teus olhos (Humberto Teixeira) – voz: Tétty

Lado B

1. Palmas para dar ibope (Ednardo/Tânia Araújo) – voz: Ednardo
2. Beira-mar (Ednardo) – voz: Ednardo
3. Susto (Rodger Rogério) – voz: Rodger Rogério
4. A mala (Rodger Rogério/Augusto Pontes) – voz: Tétty


II) Massafeira

Disco 1

1. Aurora (Ednardo / Belchior) Intérpretes: Ednardo e Belchior
2. Como as primeiras chuvas do caju (Ângela Linhares/Ricardo Bezerra) Intérprete: Ângela Linhares
3. Pé de Espinho (Rogério / Stone / Pinoquio) Intérpretes: Régis e Rogério
4. Viravento (Vicente Lopes) Intérprete: Vicente Lopes
5. Aviso aos navegantes (Lúcio Ricardo) Intérprete: Lúcio Ricardo
6. O que foi que você viu ? (Stélio Valle /Chico Pio / Nertan Alencar) Intérprete: Chico Pio
7. Brejo (Régis / Rogério / Ednardo) Intérprete: Régis
8. Atalaia (Ferreirinha / Graco / Caio Sílvio) Intérprete: Ferreirinha
9. Frio da Serra (Petrúcio Maia / Brandão) Intérpretes: Ednardo, Fagner e Marta Lopes
10. Isopor (Wagner Costa) Intérprete: Wagner Costa
11. Buenos Aires - Citroen (Sérgio Pinheiro / Stélio Valle) Intérprete: Sérgio Pinheiro
12. Senhor Doutor (Patativa do Assaré) Intérprete: Patativa do Assaré

Disco 2

1. O Sol é que é o quente (Alano Freitas) Intérpretes: Ednardo e Ana Fonteles
2. Em cada tela uma história (Lúcio Ricardo) Intérprete: Lúcio Ricardo
3. Cor de Sonho (Mona Gadelha) Intérprete: Mona Gadelha
4. Vento Rei (Zé Maia / Calé Alencar) Intérprete: Calé Alencar
5. O Rei (Tânia Cabral) Intérpretes: Teti e Tânia Cabral
6. Jardim do Olhar (Fausto Nilo / Stélio Valle) Intérpretes: Coro Massafeira
7. O Sol Acordou (Ednardo) Intérprete: Ednardo
8. Estradeiro (Rogério Soares) Intérprete: Rogério Soares
9. Pelos Cantos (Graco) Intérprete: Graco
10. Não haverá mais um dia (Pachelli Jamacarú) Intérprete: Pachelli Jamacarú
11. Último raio de sol (Rodger Rogério / Clodo / Fausto Nilo) Intérpretes: Ednardo e Teti

12. Reisado (Graco / Stélio Valle / Augusto Pontes) Intérprete: Ednardo