sábado, 31 de julho de 2021

ASTROLOGIA E ASTRONOMIA: O amor primordial que estava escrito nas estrelas!

O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos. (...)
[Carl Sagan]

Havia pelo menos 45 séculos um interessante e profícuo caso de amor entre dois amantes! Refiro-me às relações positivas entre a astrologia e a astronomia, cujos fins se confundiam, mas aceitavam-se e completavam-se em vitalidade. À época, solertes sacerdotes da Mesopotâmia antiga atuavam como renomados e reconhecidos astrônomos, suas observações acerca do movimento das estrelas, do Sol, da Lua e dos planetas, proporcionaram descobrir suas relações com o clima, o ano e as estações. Acreditavam, concomitante, que tais fenomenologias poderiam incontinenti influenciar atos e decisões no mundo dos humanos. A convergência biunívoca astrologia/astronomia congregava-se a cortes de reis e imperadores que exigiam “previsões” para os tempos de guerra, plantações e colheita, sendo necessário muitos cálculos matemáticos para seus governos. As constelações, planetas, a lua e o sol sempre estiveram no centro de interesse dos mais diversos povos na história antiga: sumérios, babilônios, caldeus, egípcios, assírios, gregos, romanos, incas, maias, chineses etc. Elas praticamente modularam suas sociedades em conformidade à ordem cósmica concernente aos ciclos lunares e solares, dando os primeiros passos para o seu desenvolvimento material e, consequentemente, aos processos civilizatórios da Humanidade.

BASE EPISTEMOLÓGICA COMUM E DE MÃOS DADAS COM O EMPIRISMO

Assim, surge o que conhecemos atualmente como astrologia, na região da antiga Mesopotâmia há cerca de 4 mil anos, ainda na Idade do Bronze, intimamente associada à matemática e ao perene movimento dos astros no firmamento. Por se repetir ficou anexado à mentalidade humana para determinar e prever eventos. Sacerdotes ou sábios de então, apropriaram-se deste enorme saber para estabelecer relações com a vida das pessoas, vinculando a dinâmica celestial a previsões, presságios para guerras, colheitas etc.

Religiosos e gnósticos passaram a observar com maior acuro e sistematicidade esta dádiva de interpretações das luzes divinas avistadas no céu. Do “crescente fértil” os imagéticos passaram para os sacerdotes egípcios (através dos comandos vizires), para os quais a astrologia era considerada como ciência sagrada e dali para a antiga Grécia que a associou à medicina e à arte. Carl Jung (cit. Paracelso)1 chegou a dizer que “o médico não deve ser apenas alquimista, mas também astrólogo” (2012c, p. 26). Aos poucos, ao longo dos séculos, este conhecimento foi sendo assimilado por vários povos e civilizações (algumas sem contatos entre si).

Do amálgama astrologia/astronomia originado na antiguidade emerge um determinado tipo de conhecimento, doravante chegando à civilização grega e a sua exuberante filosofia, a qual ocidentalizou estes saberes primordiais, tornando-se parte da cultura cotidiana, integrante da medicina, da magia e de vários outros cultos existentes no mundo egípcio e greco-romano, beirando a Era cristã. Previsões eram feitas a reis e rainhas a fim de postular seus futuros políticos. Já ao nível individual colocava-se para nobres e senhores ricos que pudessem pagar e dispostos a “ver o que o futuro lhes reservava”.

Em suma, a astrologia amalgama-se com a filosofia natural remanescente da clássica cultura grega (Epicuro/Demócrito), assimilando a “técnica” da adivinhação. Os filósofos jônicos (Tales de Mileto), os atomistas (Demócrito), pitagóricos (Pitágoras), medicina (Hipócrates) foram os representantes do pensamento natural. Nesta trilha, na literatura seguiram os poemas de Homero (Ilíada e Odisseia) resultantes da expressão estético-cultural mais cabal deste sincretismo.
Trata-se precisamente de um amálgama interdisciplinar. Ou seja, os princípios ocultistas da astrologia e a alquimia estavam em conexão direta com a astronomia. Confuso? Vamos simplificar: os alquimistas tinham relação de proximidade com os astrólogos medievais, por exemplo, e de modo algum eram charlatões, mas perspicazes experimentadores que cimentaram os alicerces da moderna ciência. Médicos, de acordo com a posição da lua ou das estrelas podiam receitar tratamentos a seus pacientes, ao passo que grandes astrônomos contemporâneos como Galileu e Kepler faziam prognósticos/horóscopos como fonte de renda. As universidades existentes tinham a astrologia como disciplina de especialidade, situação que viria a mudar apenas com o advento da Razão iluminista a partir do século XVII.

Como podemos constatar, a base de ambos os conhecimentos é a mesma, uma vez que os dois estudam os corpos celestes e seus movimentos. O que os distingue são seus métodos e objetivos!

A astrologia estuda os aspectos mitológicos e simbólicos do Universo, o qual marca a personalidade do indivíduo ao nascer sob determinada característica do céu (o psicoterapeuta Carl Jung foi um entusiasta da astrologia!). Por isso estuda a posição dos astros. Baseia-se, para tanto, no “Zodíaco”, que se divide em 12 signos, cada qual vinculado a um círculo de planetas. Para se chegar a um resultado, estuda-se para traçar um mapa astral (posição dos planetas em relação à Terra no momento do nascimento de alguém) da pessoa.

Embora com origem comum, a astronomia vai passo a passo se divorciando da astrologia.

SEGUINDO POR DISTINTAS VEREDAS CÓSMICOS-EPISTEMOLÓGICAS!

A astrologia, a magia, a astronomia, a medicina, eram consideradas ciências empíricas. E assim seguiu-se até a revolução copernicana. A partir daí a astrologia baseada no modelo geocêntrico (a Terra como centro) encontra a resistência da teoria heliocêntrica (o Sol como centro do universo) no século XVII. Neste tempo a astrologia fora rechaçada pelo cristianismo e pelo racionalismo científico como sendo um sistema de superstição. Por esta razão passou a conquistar seu lugar a partir do contexto da subjetividade individual (os interesses psicológicos do indivíduo) e tenta uma recolocação no seio da sociedade, não mais como religião ou princípios sagrados, mas na condição de ser ostentador de saberes afins, pretendendo ser uma ciência (logia, logos = saber, ciência).

Afasta-se, de certo modo, da ciência e do sagrado. O cristianismo a considera profana. A ciência compreende-a como mística. Porém, os astros agora não predizem o futuro, mas revelam-nos a mecânica de nossas vidas! Deste cisma podemos dizer que surge a Astronomia, ou seja, a mecânica dos astros (nomia = lei).

Tudo começou, sem medo de errar, a partir da publicação do livro De Revolutionibus Orbitum Coelestium, de Nicolau Copérnico em 1530, no qual preconizava “a rejeição da teoria geocentrista do Universo, segundo a qual a Terra seria o centro de tudo, em torno da qual os elementos giram”2, criticando duramente o modelo ptolomaico/cristão vigente (a Terra e o divino como centro do Universo: “depois dos planetas, os anjos e deuses”). Concluindo que “...ao longo de todos os anos de estudos: os movimentos dos astros são uniformes, eternos, circulares ou uma composição de vários círculos; o centro do universo é o Sol e não a Terra; perto do Sol, em ordem, estão Mercúrio, Vênus, Terra, Lua, Marte, Júpiter, Saturno, e as estrelas fixas; a Terra apresenta três movimentos: rotação diária, volta anual, e inclinação anual de seu eixo...”3. Ou seja, todos os planetas giram em torno do Sol. Claro, alguns de seus postulados ainda eram ainda imperfeitos.

Posteriormente nomes como Galileu, Giordano Bruno, Isaac Newton com sua elegante teoria da gravitação in Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, elaboraram a primeira síntese física dos elementos do Universo. No século XVIII a ciência ganhava corpo na filosofia, matemática, na astronomia, na química, fisiologia, zoologia e botânica, geografia e geologia como se fosse uma “explosão” do saber, ainda que dentro dos parâmetros mecanicistas da revolução industrial!

No entanto, na chamada “Era Científica”, no século XIX empreendeu-se o maior salto, ao estudarem-se os fenômenos do calor e energia, a termodinâmica, a análise espectral, o eletromagnetismo, a teoria atômica etc. Foram notórios os avanços em termos de avanços interdisciplinares à astronomia nos estertores do século: a descoberta dos raios catódicos e elétrons, a radioatividade (a fantástica Marie Cure), ondas eletromagnéticas, a elaboração da teoria da relatividade (Einstein), e os poderosíssimos telescópios e o espectroscópio.

São estes os baluartes do que atualmente chamamos de astronomia4, contudo ela ramificou-se em astrofísica (física aplicada), cosmogonia (origem - a tão contestada teoria do “Bigbang”, composição e futuro do Universo). A própria astronomia vai muito além da mera observação dos astros do sistema solar: graças aos avanços da técnica chega-se a nebulosas, podemos analisar com extrema precisão a evolução estelar de corpos distantes milhões de anos luz, o possível início daquilo que conhecemos como Universo. Astrofísicos analisam não apenas estrelas, planetas, mas todos os corpos celestes (cometas, meteoritos, meteoros, buracos negros etc.) que navegam pelo espaço interestelar.
Faço minhas as palavras de Carl Sagan: “O método científico é comprovado e verdadeiro. Não é perfeito, é apenas o melhor que temos. Abandoná-lo, junto com seus protocolos céticos, é o caminho para uma idade das trevas.” O método científico (observação controlada, verificação de hipóteses, conclusões, teoria), portanto, é o que diferencia a astrologia da astronomia nos dias atuais. Salientando que a astronomia tem seus métodos (matemáticos) também!

Enfim, nesta vida somos nós fruto das flutuações quânticas5 existentes no Universo, uma vez que o Homem é criado no âmbito da matéria, em determinados momentos do Universo e nesse campo são definidos seus papéis sociais e históricos (uma verossimilhança inegável com a astrologia)!



Notas:                                                                                            

Fig 1: Na Mesopotâmia desenvolveu-se o binômio astrologia/astronomia

Fig 2: Paracelso: eminente astrólogo/astrônomo “ocultista-mágico” medieval

Fig 3: Com Copérnico a ciência como objetivo

Fig 4: Carl Sagan, um dos maiores defensores da popularização da astrofísica


1 Paracelso foi médico, astrólogo e alquimista nascido na Suíça em 1493.

2 https://inquietudegeral.blogspot.com/2016/02/apos-dois-mil-anos-nicolau-copernico.html Acesso em 02 de julho/2021

3 Idem

4 O livro do professor Kepler é bem interessante para quem se interessar pelo assunto: Astronomia e Astrofísica http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf Acesso em 02 de julho/2021

5 https://inquietudegeral.blogspot.com/2018/04/o-universo-politico-de-stephen-hawking.html Acesso em 02 de julho/2021