terça-feira, 2 de janeiro de 2024

FILME O MUNDO DEPOIS DE NÓS: preocupação com o fim do “american way life” no contexto distópico da sociedade

SEM SPOILER — Um filme repleto de suspense, quase tirando o fôlego do expectador, com uma trilha sonora impactante — ainda mais se assistido em um system sound 5.1, no qual os sons giram nas seis caixas de som e nos proporciona uma imersão virtual no mundo relatado no filme de sustos e incertezas — assim é “O mundo depois de nós”. Apesar do título em português estar fora de contexto, por não expressar o real conteúdo da película, há muitos elementos a serem observados. Em primeiro lugar, claro, o título em inglês “Leave the World Behind” – deixar o mundo para trás – tem muito mais a ver com a trama e sua profundidade dialógica e estética, que podem passar despercebidas a olhares e ouvidos menos atentos.

Apresenta a direção e o roteiro de Sam Esmail, ao passo que tem a produção do ex-presidente dos EUA Barack Obama e Michelle Obama (ex-primeira dama) entre outros nomes ao lado da Netflix. Prepare-se para experimentar uma a dimensão a qual iremos praticamente participar como observadores, amiúde na condição de protagonista de dúvidas compartilhadas com as personagens!

Diálogo inicial quando uma das falas da personagem principal, Amanda, dará o tom da trama: “Parece que, todo dia, eu só trabalho e nem me dou conta e você vive tenso com o trabalho por causa dos cortes de orçamento” e “eu odeio as pessoas”, e anuncia o que está por vir. O filme divide-se em cinco partes, cada uma em sequência lógica crescente.

Durante todo o filme, se observarmos atentamente, é notória há uma escala imagética: as câmeras têm uma angulação que fazem com que os personagens estejam sempre sendo “observados de fora” por outrem, o que alimenta ainda mais as teorias conspirativas sem que seja necessário explicitá-las, tanto por parte das personagens como do expectador.

Isto para “observar” o cotidiano de duas famílias de classe média alta. Uma delas, apresenta mulher (publicitária) antissocial, rancorosa, fechada para novas oportunidades; um marido (professor) mais compreensível e até certo ponto humanizado, mas paradoxalmente recusa embarca na sanha da antissociabilidade ao recusar ajuda a uma senhora latina perdida no meio da rua. A outra, um sujeito rico com sua filha (ambos negros) à espera da esposa e atua como um elemento “intruso” na primeira família. Insere-se neste meio insólito um vizinho que diante do caos e das incertezas se isola do mundo com uma atitude agressiva, individualista e eminentemente bélica.

Condições que soam como metáfora da desconfiança entre TODOS os seres humanos: marido e mulher, pais e filhos, entre vizinhos, o que coaduna a atual natureza humana, ou seja, o egoísmo exacerbado nas relações, ou antirrelações. Há, não obstante, uma crítica velada ao racismo, uma vez que a mulher branca rejeita inicialmente a família de negros, melhor colocada na escala econômica, na realidade dona da casa.

Mas, além destas essencialidades, o filme demonstra o quanto a humanidade está dependente das tecnologias, o ponto nodal da trama: a afetação na comunicação mundial, a não funcionalidade dos carros autônomos (Tesla), satélites, GPS. Nisto, Clay – marido de Amanda - diz “não sei fazer quase nada sem o meu celular e meu GPS. Sou um inútil!”. Fica perdido rodando a esmo por horas sem saber onde está numa região desconhecida em seu carro. Questionam os produtores do filme: o que seria da humanidade sem a tecnologia?

Eis que fica a pergunta: o que fazer diante de um apagão tecnológico o mundo que deixamos para trás. Então vem a proposta, apelar para o disco de vinil, uma boa conversa entre amigos regada a bebida para conhecer as pessoas em suas almas, se não há serviço de streaming, recorra aos aparelhos analógicos de DVD, mesmo em relação à atual geração que desconhece estes meios!

MANTRA IDEOLÓGICO DO AMERICAN WAY LIFE

Obama e as guerra
Obama foi o presidente que mais guerras
protagonizou em seu mandato
O caráter distópico da trama coloca em evidência o caos que pode se configurar um suposto colapso tecnológico, principalmente para os Estados Unidos. Não é à toa que os produtores do filme são ninguém menos do que Obama e Michele! Claro, a angulação das câmeras coloca todos os personagens sob observação. De quem? De um órgão político secreto (poderia ser a CIA? o Departamento de Estado? Os Falcões do Pentágono?) desde a abertura da crise. Implicitamente posto no filme, implica necessidade de um comitê anticrise encabeçado pelos americanos, sob os olhares atentos da subjetivação de temas como desunião, famílias em decomposição moral, medo do terrorismo (árabe), preconceitos e alienação (os adolescentes).

Todos estes fatores caóticos e sem respostas apresentadas, sob a análise externa implícita, levaria uma guerra civil, ao colapso e à autodestruição da civilização (no caso à empáfia estadunidense e seu império sanguinário, hoje posto como guerra contra os palestinos, os russos, chineses, venezuelanos…) em nome do modo de vida capitalista liberal imperialista como produto da preocupação do Partido Democrata. Tomada na amplitude da obra, esta é a principal mensagem colocada para o expectador: tudo deve estar sob controle de um comitê de crise (observação externa) caso deflagre-se porventura uma fragmentação do mundo civilizado (dos EUA, é claro) e o fim da hegemonia militar em sua concretude. Sabe-se lá quem jogou a bomba nuclear sobre a cidade grande, tudo pode, afinal, acontecer… Assista ao filme atentamente e volte-se às sutilezas estéticas e ideológicas descritas acima.