B
aseado
na biografia American Prometheus: the Triumph and Tragedy of J.
Robert Oppenheimer1,
o filme de Nolan pretende cobrir a complexa vida do físico em um
ritmo alucinante, em tensão dramática dilacerante por todo o filme,
quase um videoclipe (de três horas de duração) que mergulha na
mente do protagonista. Um sucesso de bilheteria. O
porquê do sucesso do filme Oppenheimer, grande vencedor do Oscar
2024? Situa-se no contexto belicoso dos últimos três ou quatro
anos: guerras na Ucrânia, massacre na Palestina (que no caso não se
trata de guerra, mas de genocídio da população onde apenas um lado
morre, a dos palestinos), conflito no Iêmen (mais de 200 mil
mortos), guerra na Etiópia, conflitos em Bukina Faso, Somália,
Sudão, Mianmar, Nigéria, Síria, Haiti.
No
centro da questão está o horror que um conflito bélico pode causar
para a humanidade, sob a perspectiva de uma terceira guerra mundial,
tal qual a mídia corporativa pró-Otan vem aventando há algum
tempo. Como se este “horror” não fosse algo predicado pelo
próprio stablishment capitalista, por suas imensas contradições,
num momento em a queda da taxa de lucros das grandes corporações e
que os conglomerados financeiros apelam para o rentismo e/ou recorrem
ao nazi-fascismo e a indústria para o belicismo. Para estes setores
a guerra é uma necessidade e um método de destruir as forças
produtivas em excesso (máquinas e pessoas).
Marx
nos estertores do século XIX avaliava que “O desenvolvimento do
capital fixo indica até que ponto o saber social geral,
conhecimento, deveio força produtiva imediata e, em consequência,
até que ponto as próprias condições do processo vital da
sociedade ficaram sob o controle do ‘intelecto geral’ e foram
reorganizadas em conformidade com ele”2.
Obvio
o filme não entra neste mérito! Permanece no âmbito gnosiológico
(conhecimento humano) e os destinos a que leva a Ciência: quais seus
limites e objetivos no bem-estar e progresso humano. A Ciência deve
postar-se no campo do extermínio de populações? Fazer frente com,
por exemplo, a Otan/EUA no massacre do povo ucraniano/russo, nos dias
atuais? Para quem desconhece, “qualquer história da ciência do
início do século XX está repleta de socialistas”3,
Oppenheimer não seria diferente: “dificilmente existe uma biografia
dos grandes cientistas desta época que não tenha um índice repleto
de referências ao socialismo, ao Partido Comunista dos EUA (CPUSA)
ou a outros aspectos do semimundo de esquerda” (idem)! As melhores mentes da época eram tidas como “comunistas” e estavam sob constante vigilância por órgãos secretos paraestatais do departamento de estado norte-americano.
No
caso de Oppenheimer, a burguesia do império (Estados Unidos e
aliados - exceto a URSS) deu-lhe a incumbência ativa a desenvolver
forças nunca antes vistas ou experimentadas na História, em suas
poderosas capacidades destrutivas, de uma energia comparável que
alimenta o sol. A Ciência vem dominando a Natureza, no entanto, ao
postar-se no campo da não-neutralidade, assumiu a capacidade de
destruir a nós mesmos...
Exultante de um dos maiores crimes praticados na história da humanidade, Harry
Truman, presidente dos EUA à época, disse que a bomba atômica foi
“a maior conquista da ciência organizada da história (…) É uma
bomba atômica. É um aproveitamento da energia básica do universo.
A força da qual o sol tira o seu poder foi solta naqueles que
trouxeram a guerra para o Extremo Oriente”.4
Como
se trata de uma bilionária produção hollywoodiana, comercialmente
palatável, o filme de Nolan não mostra o tenebroso genocídio
promovido sobre Hiroshima e Nagasaki, mas resume-se a uma perturbação
mental do personagem principal: “Eu me tornei morte”5
pronunciou-se na vida real, aos prantos e como o filme o retratou.
Oppenheimer,
no filme é tratado como um guerreiro, um sujeito que está cumprindo
seu papel como balizatório de uma “guerra justa” em nome da
civilização, mostrando seus conflitos pessoais, suas dúvidas e
certezas e seu papel no desenvolvimento da Ciência a serviço dos
poderosos. O grande físico não estava sozinho nesta gigantesca
operação militar, fora aconselhado, auxiliado, corrigido em seus
cálculos matemáticos por diversas outras mentes genais atuantes no
complexo Projeto Manhattan, brigas, dissenções. Descreve
eufemisticamente uma situação extrema na qual cientistas e
operários (quem faziam o trabalho braçal pesadíssimo) eram
submetidos a uma relação de trabalho quase de cunho escravista.
Por
fim, vários pesquisadores já analisaram que a bomba atômica sobre
o Japão era extremamente desnecessária, pois o país há poucos
dias havia declarado a sua rendição perante os aliados. O que
estava em jogo, na verdade, era a chamada “Doutrina Truman” de
combate ao “comunismo”, ou seja, demarcar campo estratégico em
relação à União Soviética, naquilo que ficou conhecido como a
“guerra fria” de um mundo bi-polarizado (EUA x URSS). Uma
pergunta: por que não há rostos japoneses no filme? Apenas um no
final? Nem os resultados da devastação atômica? Pelo fato da obra
cinematográfica se propor a “entrar na mente” de Oppenheimer não
há porque analisá-la, posto o biografado afirmou certa vez em
viagem para o Japão que não se arrependera substancialmente: “Não
me arrependo de ter algo a ver com o sucesso técnico da bomba
atômica”.6
A
bomba, antes de mais nada, foi uma demonstração de força do nascente imperialismo americano e seus consortes europeus contra a
URSS, uma vez que os nazistas e o fascismo japonês estavam
sistematicamente derrotados. Hitler perdeu a guerra para o Exército
Vermelho, primeiro no território russo, depois na Alemanha!
São
reflexões que o filme, apesar de muito bem construído, deixam a desejar.
Mesmo com as limitações, saímos do cinema diferentes, os mais
sensíveis, impactados diante da possibilidade de um holocausto
nuclear despontando no horizonte em nome dos barões da guerra (depois do tráfico de drogas, a mais lucrativa indústria), numa conjuntura internacional marcada pela ascensão do fascismo e do neonazismo!
Notas:
1
- (O Prometeu Americano: O Triunfo e a Tragédia de J. Robert
Oppenheimer)
https://www.pdfdrive.com/american-prometheus-the-triumph-and-tragedy-of-j-robert-oppenheimer-d193201856.html
2
- K. Marx. Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 589.
3
-
https://jacobin.com/2023/08/nolan-oppenheimer-review-modernity-physics-art-communism
4
- https://www.youtube.com/watch?v=w67PfbxjM4E&t=3s
5
- https://www.youtube.com/watch?v=vH_PDtkfVlM&t=1s
6
- Monk, Ray. Inside The Centre: The Life of J. Robert Oppenheimer.
London: Vintage Books,
2013, p. 648.
Na foto: Oppenheimer na vida real, em campo no Projeto Manhatan
Ver
também:
Inquietude
Geral: 70 ANOS DA BOMBA ATÔMICA SOBRE HIROSHIMA E NAGASAKI Terror
criminoso e bárbaro do imperialismo contra a população civil num
Japão derrotado inaugura nova ordem mundial de ofensiva ideológica
e militar contra a URSS