sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O PERÍODO PÓS-GOLPE INSTITUCIONAL NO BRASIL: junta de rentistas impostores assume controle do (des)governo federal


O
 golpe institucional perpetrado contra o governo da frente popular, por força do STF, PF e Parlamento, insere-se em cima de um novo patamar político e econômico, aberto em nível internacional. E como tal vai se aprofundando em seu curso reacionário no Brasil e quiçá na América Latina em seus aspectos ideológicos e políticos, que inelutavelmente refletem a nova superestrutura jurídica e econômica do país. A edição e aprovação em primeiro turno da PEC 241 é o exemplo cabal desta tendência nefasta, imposta por uma junta financista ultraneoliberal sob as escusas de uma “crise econômica herdada do PT”, cujo expoente é Henrique Meirelles, o homem de confiança do capital financeiro e tem o usurpador Temer como fantoche.

A FINANCEIRIZAÇÃO TOMA CONTA DO ESTADO, OU AS PRÉDICAS DO ESTADO DE MAL-ESTAR SOCIAL

Temer e o judiciário representam a lúmpen-burguesia
a serviço dos grandes monopólios financeiros
Após o esgotamento do curto ciclo desenvolvimentista no Brasil, em voga durante o governo Lula e parte do de Dilma e com o estancamento da crise econômica norte-americana via rentismo, agora o mandamento do mercado é vociferar o mantra neoliberal dos monetaristas1 ensandecidos e estúpidos: flexibilização (de direitos adquiridos), desregulamentação (do mercado financeiro) e redução dos gastos públicos (privatizações).

O atual (des)governo2 usurpador de Temer passa a delinear um Estado de tamanho mínimo – temos claro que isso tem aplicabilidade apenas sobre economias semicoloniais ou periféricas, porque nos corações dos monstros imperialistas os gastos públicos (dívida) aumentam em ritmo de progressão geométrica!

A crise fiduciária aberta em 2008 (títulos hipotecários podres na crise do subprime3) foi coberta nos chamados países industrializados com a emissão desenfreada de moedas e inoculação dos tesouros públicos em quantidades absurdas no sistema financeiro como um todo. O que se viu nestes países não foi a retração do Estado; ao contrário, teve papel fundamental no quesito econômico como agente emulador, ao gradualmente se financeirizar de 2008 até os dias atuais em clara oposição ao capital real produtivo – talvez como única exceção seja a indústria bélica que tem sólidas raízes fincadas na economia mundial – o que sempre será o prenúncio de uma crise sistêmica global e base para o endividamento público.

REDUZIR GASTOS PÚBLICOS PARA TRANFERÍ-LOS AOS BOLSOS DOS DETENTORES DA DÍVIDA

O fenômeno da financeirização é expressão mais acabada e vil do capitalismo contemporâneo que consiste na contradição entre o crescimento da riqueza financeira e a riqueza real, onde esta estanca e a outra floresce, tão sintomáticos como crisântemos4 que brotam no inverno! Ou seja, empresas não-financeiras passam a ter sua atividades fim voltada para o mercado financeiro em detrimento da produtividade. Por exemplo, quando a General Motors passa a desenvolver muito mais operações de crédito do que de produção e se envolve com a contração de títulos, muitos dos quais podres (sem valor real), supervalorizados pela especulação. As empresas passam a acumular ativos financeiros, buscando compulsivamente ampliar seus ganhos bursáteis, secundarizando a atividade produtiva. As altas taxas de juros no Brasil oriundas da política econômica do atual governo e por imposição das grandes corporações financeiras vem por dar vazão a este entendimento do capital especulativo: a remuneração atrativa (volátil) aos ganhos de capital.

Henrique Meirelles, o homem de
confiança dos financistas ultraneoliberiais
Como assim? O funcionamento passa por uma expectativa: as metas inflacionárias do país estão balizadas à pressão que os rentistas estabelecem sobre a economia. Rentistas são aqueles setores burgueses que detém e acumulam riquezas sem produzi-las! Portanto, taxas altas de juros beneficiam esses setores parasitários ao remunerar o capital conforme seus interesses imediatos. Está igualmente vinculado aos outrora “superávits primários ou fiscal” durante o governo da frente popular, destinados ao pagamento da dívida pública interna. Quer dizer, até meados de 2012 havia um ambiente propício à remuneração do capital financeiro (expansão do crédito, consumo alto), mas com a crise recessiva aberta a partir de 2014 o ambiente favorável desfez-se e criou-se a necessidade de apear o PT da administração estatal para, em seu lugar, dispor uma mesa aberta aos rentistas via setor da lumpen-burguesia encabeçada por Temer e sua quadrilha de achacadores.

Imerso numa economia anêmica, com elevadas taxas de juros, os investimentos reais são sumariamente desestimulados e paradoxalmente alimentam o rentismo financeiro. A política de ajuste fiscal – iniciada por Dilma em seu segundo mandato - do governo golpista representa fielmente as garantias deste aos especuladores e banqueiros. A pífia redução da taxa Selic5 (quarta-feira, 14) de 14,25% para 14% ao ano revela esses interesses a que está subjugado o Copom e o sistema financeiro nacional. Vale lembrar que em 2012 a taxa Selic beirou a casa dos 7,25%!!!

A tucanalha veio para acabar com o que restava
do já reduzido Estado de bem-estar social
Nesta perspectiva, os exíguos investimentos que sobram ipso facto vêm de poucas empresas ainda não-financeirizadas e por empresas públicas como a Petrobras. Situa-se neste âmbito, os histéricos ataques à Petrobras, cujo objetivo é transformá-la em empresa-fim de investimentos – a Sabesp, por exemplo, é um caso típico, e capcioso, no qual os investimentos em infraestrutura foram negligenciados em benefício aos ganhos de capital feito pela tucanalha paulista, o que gerou uma grave crise hídrica no estado.

Num quadro de austeridade claudicante, a crise tende a se aprofundar. Redução de gastos públicos significa economizar e remunerar os detentores dos títulos da dívida. Assim, dá sobrevida ao segmento que vive de rendas através do juro em expansão (a mais alta do mundo!), concomitante à queda brusca de salários e renda do trabalhador, o que amplia e transfere riqueza produzida pelos pobres aos setores rentistas parasitários. Em suma, a já combalida renda familiar de milhões de trabalhadores será entregue às poucas famílias de ricaços: os gastos com Bolsa Família (menos de 1% do PIB) serão reduzidos, junto com gastos mais significativos com saúde, educação e previdência, para reservar e garantir o pagamento de juros, que ficou próximo de 45% do PIB no ano passado. Configura-se, deste modo, o maior ataque à população pobre desde a ditadura militar-civil pós 1964, com vistas a restaurar o poderio das oligarquias submissas aos rentistas internacionais, reavivando um ultraneoliberalismo muito mais agressivo do que aquele da década de 90, tudo “dentro da ordem e da constitucionalidade” pós-golpe institucional!

O judiciário brasileiro é o que melhor explica esta nova ordem política e econômica como artificie do golpe, em consonância àquilo que até mesmo o tão reverenciado economista burguês Thomas Piketty6 qualificou como “plutonomia” (plutocracia) mundial.

A gigantesca concentração de capitais por um punhado de ricaços (menos de 1% da população mundial) resulta deste “Estado facilitador” (enable state), no qual o mercado determina os desígnios de governos e o privado domina a “esfera pública”. Esta realidade já vem sendo posta em prática através da “plutonomia” em esfera internacional, parindo algo similar a um governo mundial materializado no Banco Mundial, no FMI, no G7 e na OMC que opera a decidir os destinos de toda a Humanidade. “A financeirização do Estado sob as regras do FMI, BM e OMC, instituídas pelo G7 junto às corporações transnacionais e aos detentores de capital financeiro, pode ser vista como instaurando uma nova forma de acumulação de capital... ‘economia cassino’, que é particularmente frágil e pobre em criação de empregos” (Karen Mary Giffin, Financeirização do Estado, erosão da democracia e empobrecimento da cidadania: tendências globais?)7. Tais organismos demonstram a intensificação e a força impositiva da globalização financeira e seu substrato de hiperexploração dos trabalhadores.

ENORME CONCENTRAÇÃO DE CAPITAIS E MISÉRIA GERAL DA POPULAÇÃO

Educação e Saúde já recebem minguados recursos, enquanto
o maior responsável pelo rombo orçamentário é
a dívida pública junto a bancos que permanece intocável
Assim, a PEC 241 ilustra muito bem para onde caminha o Estado brasileiro: a Saúde abarca apenas 3,9% do orçamento da União, a educação pouco mais de 2%, enquanto juros e amortização da dívida pública abocanham mais da metade do PIB! Os golpistas priorizam, no plano de austeridade fiscal, cortes na área social, privatizando a saúde e educação, ao invés de controlar a dívida pública com a tributação dos ativos acumulados da riqueza nacional como seria tipificado por qualquer regime capitalista. Trata-se da implementação do estado de mal-estar social seguindo a trilha dos dejetos neoliberais! Os jatos particulares, os iates, helicópteros, só para termos uma ideia, são isentos de IPVA e igrejas não pagam IPTU! Acrescente-se o fato que os gastos seriam limitados pelo PIB, que por sinal só em agosto caiu 0,91%, a maior queda em 15 meses e 5,6% nos últimos doze meses, bem distante do que afirmam os usurpadores ao mentirem que o “país está nos trilhos”.

A política econômica de Temer e sua quadrilha irá mergulhar o país em uma depressão ainda mais aguda, porque dada a internacionalização do mercado, os lucros dos investidores irão para o exterior, os preços também serão equiparados às vicissitudes globalizadas implicando alta crescente do custo de vida principalmente nas semicolônias como o Brasil e, inexoravelmente aumento da dívida pública, agravamento do descalabro educacional e saúde, corte de programas sociais e desinvestimentos infraestruturais, desemprego em massa... É preciso derrotar este regime de exceção que por intermédio da junta financista tem como meta a expropriação material da grande massa trabalhadora do país e transferir tudo para meia dúzia de capitalistas usurários que nada produzem, a não ser mais miséria! Preparar nas bases populares a greve geral!

Notas

1 Termo jocoso aqui empregado no sentido de aniquilamento do Estado, redução via sucateamento dos serviços públicos e de obras infraestruturais a partir da mentalidade reduzida dos financistas ultraneoliberais que tem como agentes setores da chamada lumpen-burguesia brasileira (Temer no Brasil, Mauricio Macri na Argentina, Pedro Pablo Kuczynski no Peru, Horacio Cartes no Paraguai e Juan Manuel Santos da Colômbia)

2 Defensores da estabilidade de uma economia capitalista baseada nas forças espontâneas do mercado e em estratégias (tais como controle do volume de crédito, redução ao máximo dos gastos públicos, aumento ou diminuição da taxa de juros) que permitam o controle do volume da moeda e de outros meios de pagamento no mercado financeiro.

3 Subprime: concessão de empréstimos hipotecários de alto risco feitos em 2007 nos EUA (em inglês: subprime loan ou subprime mortgage)

4 Crisântemos: flores que têm seu esplendor em dezembro, no período do verão no hemisfério sul.

5 Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic): um índice pelo qual as taxas de juros cobradas pelos bancos no Brasil se balizam, sendo ferramenta de política monetária utilizada pelo Banco Central do Brasil para atingir a meta das taxas de juros estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) que se reúne a cada 45 dias. Consultar para maiores detalhes http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/n/SELICTAXA


7 Le Capital au XXIe siècle, 2013 Éditions du Seuil. Aqui defende que capitalismo deve ser regulado, pois senão gerará desigualdades crescentes. Seu meio é a criação de um imposto global sobre o capital.