“Uma rematada tolice que foi a tal república. No fundo, o que se deu em
15 de novembro foi a queda do Partido Liberal e a subida do Conservador,
sobretudo da parte mais retrógrada dele, os escravocratas de quatro costados”. [Lima Barreto, 1881-1922]
Quadro de Henrique Bernardelli idealizando a Proclamação da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca |
A
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Proclamação da República no Brasil
segue em uma linha de evolução iniciada com a “Independência” (1824) conduzida
pelas classes dominantes do país. Consequência das revoltas sociais e políticas
durante o “Império”, das novas necessidades da Revolução Industrial que se
desenvolvia na Europa e o reordenamento das oligarquias no país logo após o fim
da Guerra contra o Paraguai. Não se tratou de um corte histórico na sociedade,
nem um ato heroico de um indivíduo tal como o representado pela arte oficial em
que o Marechal Deodoro da Fonseca aparece glamoroso montado em seu corcel erguendo
seu quepe triunfante como figura central do episódio, tampouco representou a
vontade popular e os novos ideais de liberdade. A vida, após a Proclamação da
República, como ela era no Império segue a mesma: exploração, elitismo e selvageria
repressiva antipopular... agora acrescida com o trabalho assalariado dos imigrantes europeus que viria por substituir a mão de obra escrava.
DECISÃO CONTRA A VONTADE DE
DEODORO!
Adoentado, acometido de forte
dispneia (enfermidade contraída durante a Guerra do Paraguai), o Marechal Deodoro foi retirado da cama pela madrugada e instigado a
agir dada a enorme crise por que passava o governo de D. Pedro II. Este último,
o “velhinho” passava os dias prostrado e recolhido na sua residência em
Petrópolis (72 quilômetros da capital Rio de Janeiro). Foi necessário que os
republicanos, atônitos com a morbidez dos militares, espalhassem o boato de que
o imperador iria prender as lideranças do partido para que Deodoro colocasse
algumas tropas nas ruas e no dia 15 se deslocassem para o centro do Rio de
Janeiro a fim de deporem os ministros de D. Pedro II. O “herói da proclamação”
fazia parte do staff de confiança do imperador, relutou em participar do
“putsch” até poucos dias antes. Nem mesmo o imenso prestígio do Exército após o
genocídio que foi a Guerra contra o Paraguai (1864-1870) animava o claudicante
marechal!
Fora praticamente carregado à força
por seus companheiros para ordenar que suas tropas se dirigissem ao centro do
Rio de Janeiro. O republicano José do Patrocínio foi quem leu na Câmara dos
Vereadores o ato solene da “Proclamação da República”, enquanto isso o Marechal
Deodoro redigia a carta, com imensa tristeza, a seu amigo íntimo D. Pedro II
informando-lhe acerca de seu banimento.
Tal era a fraqueza e ignomínia dos
monarquistas que não impuseram qualquer resistência perante os conspiradores,
mesmo porque o regime agonizava politicamente.
MONARQUIA ENFADADA E SEM RUMO, MAS
AS MOSCAS CONTINUAM A SOBREVOAR...
Imersa na crise da economia cafeeira (alta da inflação, superprodução
de café, desemprego massivo – ex-escravos que não eram incorporados à produção),
a monarquia se mostrava incapaz de dar uma resposta a contento da classe
oligárquica brasileira e às novas necessidades do mercado e a divisão
internacional do trabalho. As demandas dos grandes fazendeiros, após a
“abolição da escravatura” não estavam sendo atendidas pelo império. A
Guerra contra o Paraguai possibilitou que os militares travassem conhecimento
com outras nações da América Latina não-monárquicas, o Brasil era único país
com esse regime anacrônico na região! O “ideal” republicano vinha a calhar para
as elites paulistas e mineiras que as colocavam no lado oposto da concentração
de poderes monárquicos, passando a reivindicar um determinado nível de
autonomia. Além do mais, a guerra afundou o Brasil em dívidas, principalmente
com a Inglaterra. A oligarquia cafeicultora responsabilizara a monarquia pela
abolição da escravatura que não a indenizou pela “perda dos escravos”, exigia
outra mão de obra, a dos imigrantes.
Com a crise por que passava o
Império, os militares viram seu prestígio desmoronar aos poucos. A insatisfação
nos quarteis aumentava gradativamente, ao mesmo em tempo que a aristocracia
também se levantava contra a monarquia. Por volta de 1886 o descontentamento
militar chegava aos jornais e ganhava as ruas. Um ano depois foi fundado o
Clube Militar, atuando como órgão político e porta-voz da categoria, para cuja
liderança fora eleito o Marechal Deodoro da Fonseca.
Composição do Governo Provisório |
PUTSCH PARA PRESERVAR O REGIME
POLÍTICO ESCRAVISTA SOB FORMAS MODERNAS DE EXPLORAÇÃO
Para a aristocracia cafeeira era necessário mudar o regime político
para manter sua dominação sem alterar significativamente o modo de produção
colonial. “O Segundo Reinado arrancara sua força e estabilidade da defesa
das necessidades da ordem negreira. O fim do escravismo dissolvia as condições
que haviam sustentado o centralismo monárquico (...) Novas e mais complexas
formas de relações de produção exigiam novas e mais complexas formas de
dominação” (Mario Maestri, 15 de novembro de 1889: a contrarrevolução
republicana).
O golpe de 15 de novembro de 1889
veio a por a termo os impulsos reformistas, quando a monarquia, sem qualquer
base de sustentação caiu como um castelo de cartas, sem resistência. O Estado
seria reorganizado sobre uma estrutura econômico-social agrária, exportadora e latifundiária,
cimentada pela exploração do trabalho livre pondo em prática reivindicações da
classe dominante de 70 anos atrás! Sob os auspícios da República os
conservadores retornavam ao velho poder de classe, com uma Constituição
promulgada e estabelecendo o estado de sítio como elemento repressivo. Nessas
bases, o federalismo imposto tornou-se o instrumento jurídico que assegurava o
controle regional das emergentes oligarquias.
Sem jamais ter se tornado uma verdadeira república, o que se pariu foi
uma institucionalidade totalmente elitista, essencialmente conservadora e
repressiva, sem qualquer participação popular. E antes de tudo, foi um regime de crise e instabilidade: Deodoro
renunciou dois anos depois, dando lugar a posse de Floriano Peixoto. Foram anos
de turbulência política. Em 1893 deflagrou-se a Revolta da Armada, quando a
Marinha se opôs ao crescente aumento de poder do Exército, postulando a
restauração da monarquia; no mesmo ano explode a Revolução Federalista no Rio
Grande do Sul cujas elites queixavam-se do excessivo controle sobre os estados;
em 1896 eclode a Guerra de Canudos, onde os “republicanos” tomam o povo como
bode-expiatório de seus fracassos massacrando-o como medida exemplar aos
“sediciosos”; Revolta da Vacina em 1904; Revolta da Chibata em 1910; a Guerra
do Contestado em 1911; a Revolta de Juazeiro (Ceará) em 1913; Levante do Forte
de Copacabana em 1922.
Massacre de Canudos, um exemplo de castigo a quem se rebelar! |
Longe de ter sido um movimento
majoritário, o republicanismo foi composto por uma pequena fração do Exército,
nem mesmo a Marinha participara (era eminentemente monarquista). Muitos
republicanos civis estiveram ausentes do golpe! Eram tão poucos, mas bastavam
para acabar com a fraca monarquia que ipsis
litteris morria de velha. O Império já não tinha quem o defendesse; não
contava com a confiança das camadas dirigentes e emergentes politica e
economicamente, caindo pelo desgaste intrínseco do próprio sistema. A
acomodação política deu-se dentro do controle hegemônico dos fazendeiros do
oeste paulista somada à descentralização e o vínculo aos interesses regionais.
Como é de hábito, a “nova” ordenação conservadora não implicou mudanças ou
reformas estruturais até meados de 1930. A superexploração dos trabalhadores
agora assalariados, porém paupérrimos, a economia monocultural de exportação e
o autoritarismo ladeado pelas forças repressivas davam o tom da “república
oligárquica” muito distante do "sonho republicano" de um regime voltado para o bem comum da coisa pública!!