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esde os últimos dias de dezembro do ano passado, quando teve
início a propagação do coronavírus na China e depois para o planeta, agora se faz
necessária uma análise alicerçada na política a partir do vislumbre
eminentemente técnico. Em pauta, como sustar a pandemia numa conjuntura na qual
a maioria dos países afetados são proponentes encardidos do ultraneoliberalismo
(ou neoliberalistas), muitos fascistizados, que medidas adotaram e como ficam
os trabalhadores dentro de uma crise sistêmica sem precedentes do capitalismo?
Qual o significado de “ficar em casa” como prevenção pandêmica? O papel da
mídia ao espalhar a torto e direito um amplo processo de hiperinformação sobre
a população, isto é positivo? O Brasil bolsonarizado vai ter capacidade técnica
ou vontade que seja para superar a crise? Numa etapa em que os Estados Unidos
deflagram a chamada “guerra híbrida” como não ser seduzido por “teorias da
conspiração” e fakenews? São
perguntas cruciais que surgem diante de tamanho desafio e podem indicar a
resolução dos problemas levantados. Qual o alcance da crise atual e o que
despertou a queda brusca de mercados bursáteis, tem a ver com o coronavírus?
CERTO DIA TRANQUILO DE OUTUBRO DE 2019, EM NOVA YORQUE, UM “ENSAIO
GERAL”
Num calmo e ensolarado dia 18 de outubro de 2019 reuniam-se
em Nova Yorque banqueiros, empresários de grandes grupos econômicos e
instituições financeiras que têm sede em todo o mundo. O evento chamou-se “Event
201”, organizado pela agência Bloomberg1 cujo objetivo era discutir possível crise
econômica derivada de um “surto intercontinental grave e altamente
transmissível”. No programa estava o simulacro de pandemia feito como exercício
de alto nível, no Hotel The Pierre em Manhattan. O exercício consistia em criar
um vírus fictício, ora difundido pela internet pelos organizadores do evento
(assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=BfRWJN1aSpY).
Tudo com um realismo marcante sob a forma de uma “brincadeira” feita para os
donos do mundo!
Os organizadores foram ninguém menos do que o Centro John
Hopkins para a Segurança da Saúde, em associação com o Fórum Econômico Mundial
e a Fundação Bill e Melinda Gates [https://www.bloomberg.com/press-releases/2019-10-16/johns-hopkins-center-for-health-security-world-economic-forum-and-bill-melinda-gates-foundation-host-pandemic-exercise-and].
“Alto nível”, como podemos perceber!
O encontro tinha perfil semiclandestino, pois não era
permitida a divulgação. Apesar de enfadonho, vale a pena elencar a nata da
economia mundial participante: Ryan Morhard, assessor em matéria de saúde e
economia do Fórum Econômico Mundial; Chris Elias, presidente da Divisão de
Desenvolvimento Mundial da Fundação Bille Melinda Gates; Tim Evans, ex diretor
de saúde do Banco Mundial; Avril Haines, ex-subdiretor da CIA; Sofia Borges, em
representação das Nações Unidas; Stanley Bergman, presidente e CEO da Henry
Schein (empresa distribuidora mundial de fornecimentos médicos e dentais,
inclusive vacinas, produtos farmacêuticos, serviços financeiros e
equipamentos); Paul Stoffels, diretor científico da Johnson & Johnson;
Matthew Harrington, diretor de operações globais da Edelman (uma das maiores
firmas do mundo de consultoria de marketing e relações públicas) e outros.
Morhard em tom “profético” afirmou “Criar eventos como este custa mais de um
ano de planificação e um investimento de centenas de milhares de dólares, mas
as lições aprendidas são incalculáveis” (idem).
Um mês após o encontro surgiu o primeiro caso de COVID-19,
de acordo com o The Guardian
(7/11/2019): “O primeiro caso de alguém que sofria de Covid-19 remonta a 7 de
Novembro, segundo informações dos meios de comunicação sobre dados não
publicados do governo chinês”. Antes mesmo, a agência Bloomberg publicaria um
áudio alertando para o despertar da pandemia [https://www.bloomberg.com/news/audio/2019-11-04/preparing-for-the-next-pandemic-audio]:
“Preparando-nos para a próxima pandemia: à medida que o surto de coronavírus se
aproxima de uma pandemia, os líderes mundiais e os funcionários de saúde lutam
por conter as consequências. Isso provocou quarentenas e outras ações de
emergência em todo o mundo. É um cenário que foi planejado há apenas alguns
meses, numa reunião de líderes em finanças globais, políticas e cuidados
médicos. Janet Wu, da Bloomberg, esteve ali e nos traz esta informação”. No dia
11 de março de 2020 mais de 200 corporações do mundo todo se reuniam para discutir
sobre a crise, sendo que as principais são as empresas que participaram do
Event 201!
CORONACRISE SERIA ESTAFA DO MODELO ECONÔMICO?
Wuham o epicentro de propagação do coronavírus para os cinco
continentes conforma sem sombra de dúvidas uma crise epidemiológica
concomitante à econômica. No entanto, a
atual crise é completamente diferente das que a precederam no cenário
internacional, pois marca os caminhos da recessão econômica em nível mundial:
ela tem início na esfera produtiva, enquanto a de 2008 originou-se nos
subprimes (bolha especulativa creditícia) e foi paliativamente suprida pelos
bancos centrais injetando recursos públicos nas instituições financeiras,
adiando temporariamente iminente colapso do sistema financeiro mundial.
Colhemos hoje, os frutos podres amealhados das soluções
contábeis advindas da crise de 2008. A coronacrise vai interferir na
interdependência produtiva em escala planetária, incidindo principalmente sobre
o petróleo e sobre as fontes energéticas. Aqui, os gigantescos esforços dos bancos centrais para manter em pé os
mercados irão se bater com a constante queda da taxe de lucro das empresas
multi e transnacionais, haja vista a predominância da volatibilidade do capital
face à disfunção existente entre os mercados.
As ações assimiladas ao Event 201 em defesa do capital expuseram
como solução o distanciamento social, o que agrava sumamente a queda da demanda
real ou reprimida, ou seja, fizeram com que os fluxos de capital ficassem
paralisados, obrigando que o Estado “compre” títulos privados sem valor (moedas
podres). Para os neoliberais, o Estado
deve arcar com os prejuízos ao estatizar os fluxos de renda, o que em resumo
significa os trabalhadores é que vão assumir os ônus da crise em todos os
sentidos, vão empobrecer mais e mais, ficar doentes e morrer praticamente à míngua.
Por exemplo, nos EUA 60 milhões de pessoas não têm qualquer
assistência médica, ainda mais considerando-se que um teste para verificação de
contaminação custa em média mil dólares! Ao iniciar a crise o governo Trump não
colocou qualquer medida de contenção, só há pouco quando tornou-se endêmica.
Chega a ser paradoxal que a maior potência militar e econômica do mundo seja o
elo mais fraco no enfrentamento ao coronavírus.
DESMISTIFICANDO SIGNIFICADOS: O VÍRUS NÃO FOI RESPONSÁVEL
PELA QUEDA DAS BOLSAS
De acordo com o professor Eric Toussaint, “a grande mídia
afirma de maneira ultrassimplificadora que esta queda generalizada das bolsas
de valores é provocada pelo coronavírus e esta explicação é retomada amplamente
nas redes sociais. Ora, não é o coronavirus
e sua expansão que constituem a causa da crise, a epidemia é apenas um elemento
detonador. Todos os fatores de uma nova crise financeira estão reunidos há
vários anos, pelo menos desde 2017-2018” [http://www.cadtm.org/Non-le-coronavirus-n-est-pas-le-responsable-de-la-chute-des-cours-boursiers].
Em suas palavras, foi apenas a “fagulha” que acendeu o fogo da crise econômica.
Em decorrência da desaceleração da economia mundial, a queda brusca das bolsas
já era prevista antes do surgimento do coronavírus, uma vez que os títulos de
dívida aumentaram desproporcionalmente ao aumento real da produção, causando
uma concentração de renda quase incomensurável (os 1% mais ricos cada vez mais
ricos, o grande Capital). Empresas privadas passaram a vender estes títulos
desvalorizados, provocando um declínio em suas cotações e, consequentemente, a
queda das bolsas. Há cerca de 30 anos os
neoliberais deixaram de investir na produção, passando a privilegiar o rentismo
exacerbado e o caráter essencialmente volátil do capital. O resultado disso é a
financeirização da economia capitalista. Toussant alerta: “As crises
bancárias e bolsistas ressurgiram quando os governos deram todas as liberdades
ao Grande Capital para fazer o que quisesse no setor financeiro” (Idem), cujos
lucros estavam voltados ao capital fictício (especulativo) que não repousa em
bases materiais nem na exploração direta do trabalho humano e nos produtos in natura.
Enfim, o coronavírus tem sido apenas o detonador da crise
mundial, a qual deve a causas bem mais profundas. Em 2019 o mercado mundial
praticamente estagnou, fazendo com que governos adotassem medidas austeras de
contenção de despesas, destruindo qualquer bem-estar para os trabalhadores.
Razão pela qual despontaram tantos regimes neofascistas pelo mundo que colocam
em prática o desmonte dos serviços públicos. Neste ínterim, entra a coronacrise,
como um elemento que entrou pelas fissuras expostas do sistema capitalista em
sua ineficiência social!
Governo federal não sabe o que fazer perante a crise |
NUM BRASIL BOLSONARIZADO NÃO HÁ NENHUM APORTE ECONÔMICO PARA
SUSTAR A CRISE
Os impactos imediatos da pandemia mundial numa sociedade
tremendamente desigual como a do Brasil, cujos trabalhadores estão imersos na
informalidade e no desemprego estrutural podem ser devastadores. 40% da mão de
obra está na informalidade ou no trabalho precarizado; 12% está desempregada. A
nossa moeda é uma das mais fracas do mundo, a qual já foi desvalorizada em
relação ao dólar cerca de 30% em apenas três meses. As premissas futuras são aprofundamento do desemprego, maior
vulnerabilidade social, queda de arrecadação, colapso do sistema de saúde,
sobrecarda absurda sobre os profissionais da saúde, redução das pesquisas desde
a PEC do fim do mundo do governo Temer.
Neste quadro de calamidade, a equipe econômica (nem se fala
do Bolsonaro) não dispõe de dinheiro novo no combate à pandemia, apenas faz
remanejos aleatórios de verbas. OLIVEIRA avalia “Se em todo o mundo foram
apresentados ousados pacotes fiscais, no Brasil o crédito extraordinário no
valor de R$ 5,099 bilhões não representa recursos novos, mas remanejamento
orçamentário dentro do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde”2.
Assim, decisões técnicas estão indissoluvelmente atadas a
uma concepção política, sendo que esta última predomina. Por pura ortodoxia
ultraneoliberal (ou incapacidade real) do ministro da economia, Paulo Guedes.
Nem na área da saúde, nem na economia há decisões firmes; ao contrário, são
claudicantes e visam salvaguardar somente um lado: o capital. Tal orientação e modus operandi ficaram cristalinos na
edição da MP 927 (permitindo demissões em massa de trabalhadores), expedida na
calada da noite de domingo (22/03) e revogada logo em seguida, limitada
conscientemente pela reacionária LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada
por FHC em maio de 2000).
Sem superação do quadro recessivo aberto em 2015, cujas
forças retrógradas atuaram para depor a presidenta Dilma Roussef [https://inquietudegeral.blogspot.com/2016/10/do-mensalao-as-jornadas-de-junho-de.html]
via golpe institucional capitaneada pela FIESP, o PIB brasileiro hoje é 3%
menor do que o de 2014. Antes da crise, previsões davam-nos uma taxa de
crescimento de 2%, mas recém-revista para algo próximo de 0,5% em 2020.
OLIVEIRA vem completar esse raciocínio: “Grande parte das medidas anunciadas
pelo governo não tratam de injeção de novos recursos na economia. São meros
adiamentos de pagamentos que as empresas deveriam fazer ou adiantamentos de
recursos que o governo já iria fazer para as famílias ou para as empresas”
[Nota do Cecon]. O governo federal
decisivamente não sabe o que fazer, muda de tom a toda hora, pois não querem ir
além do arcabouço de austeridade e ideologia ultraneoliberais, mesmo perante um
quadro de extrema gravidade e que tende a piorar nos próximos dias, alimentado
pela mídia corporativa com suas hiperinformações praticamente 24 horas por dia,
o que causa ainda mais confusão no grande público.
AS PANDEMIAS EXISTIAM MUITO ANTES DA GLOBALIZAÇÃO E A
NOMINAÇÃO DO “FICAR EM CASA”
Ficar em casa esperando que Bolsonaro nos 'salve'? |
Na segunda metade do século XIV, na Europa, o bacilo Yersinia pestis, a peste negra quase
devastou o continente e impôs uma crise sem igual em termos econômicos,
políticos e sociais. Tanto que causou revoltas camponesas, a Guerra dos Cem
Anos, o declínio da cavalaria medieval e prenunciou o fim do feudalismo.
Durante a ocupação espanhola da América a varíola fez estragos que dizimaram
civilizações inteiras, a Febre Amarela no Haiti em 1801, a Peste Bovina
provocada pela expansão colonial europeia na África entre 1888 e 1897, a gripe
espanhola ao fim da primeira guerra mundial que provocou a morte de 50 milhões
de pessoas. Só para citar algumas. As soluções apresentadas por governos era o
isolamento e/ou confinamento, evidenciando um claro método medieval de
contenção de pragas.
É possível imaginar isso em pleno Século XXI? Quando estamos
adentrando na era da tecnologia quântica? Eis as palavras do autor de Sapiens, Yuval Noah Harari, em um
belíssimo e frondoso artigo: “a história indica que a proteção real vem do
compartilhamento de informações científicas confiáveis e da solidariedade
global. Quando um país é atingido por uma epidemia, deve estar disposto a
compartilhar honestamente informações sobre o surto, sem medo de uma catástrofe
econômica...” [https://time.com/5803225/yuval-noah-harari-coronavirus-humanity-leadership/].
Mandatários de poder vêm fazendo o oposto, espelhando-se no mais ignóbil
exemplo de Trump e seu comensal da morte Bolsonaro, negando a ciência e a
cooperação mundial. Empresas realinham seus negócios preparando-se para vender
seus produtos (respiradores, produtos médicos etc.) a Estados e empenham-se
nesta perspectiva e em demitir trabalhadores. O lucro ainda é a meta em meio à
crise que assola não mais um país, mas a Humanidade!
A resposta do
capital, “ficar em casa”, resume a incapacidade de governos em atender a
demanda da doença na rede pública. Recurso medieval, mas que ainda se faz
necessário diante da escassez de recursos técnicos e inoperância da burguesia
mundial, numa fase em que se desenvolve a tecnologia 5G e se pensa
conquistar o espaço interestelar! Como podemos constatar, a incursão do
coronavírus no planeta vai muito além da questão de “saúde pública”, implica
gestão de crise e está intimamente relacionada com o deflagrar da guerra
híbrida no plano militar, político, econômico e ideológico [https://inquietudegeral.blogspot.com/2020/02/coronavirus-e-geopolitica-colocar-china.html]
e à anarquia do sistema capitalista que nos rege a vida. Mais do que nunca,
está colocada a máxima: “socialismo ou barbárie”. Somente nesta perspectiva é
que as demandas de vida poderão ser atendidas em benefício de TODA Humanidade e não para
um punhado de ricaços capitalistas.
Notas:
1 Bloomberg L.P. é uma
empresa de tecnologia e dados para o mercado financeiro e agência de notícias
operacional em todo o mundo com sede em Nova York.
2 OLIVEIRA, Ana Luíza Matos
de et ali. A Coronacrise: natureza, impactos e medidas de enfrentamento no
Brasil e no mundo. Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica -
IE/UNICAMP. Nota do Cecon, n.9, março de 2020.