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crise sistêmica pela qual o planeta, em seu modo capitalista
de produção, está passando foi acionada pela disseminação do coronavírus, não é
um fenômeno recente. É preciso entende-la em sua historicidade e ideologia.
Trata-se do regime político-econômico surgido ao final dos anos 70 no Reino
Unido e nos Estados Unidos como contraponto às economias planejadas do bloco
soviético: o neoliberalismo. Despontou com o objetivo de minar o Estado
provedor de bem-estar-social erigido no pós-guerra para conter o avanço da URSS
(a responsável direta pela derrota nazista) na Europa e sua influência política
mundo afora. Nos anos 80 os países do “bloco comunista” sob a égide do
gorbachevismo começavam a agonizar, dado caráter parasitário de sua burocracia
dirigente, enquanto o bloco capitalista investia mais e mais em protecionismos
e no belicismo. O resultado não poderia ser outro senão o triunfo do grande
capital monopólico sobre as economias planificadas sem o padrão dólar. O final
da década de 80 prenunciava o fim da bipolarização do mundo (EUA versus URSS), com a reunificação
capitalista da Alemanha (derrubada do Muro de Berlim por yuppies), marca
indelével do processo contrarrevolucionário que dissolveu a URSS proclamado em
dezembro de 1991.
NECESSIDADE DE ACABAR COM O ESTADO DE BEM-ESTAR-SOCIAL
O baluarte ideológico do neoliberalismo foi o chamado
“Consenso de Washington”, quando diversos economistas definiram metas para
países semicoloniais no ano de 1989, quando instituições financeiras reunidas
em Washington DC, como o FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos definiram propósitos para “países em desenvolvimento”, sujeitando-os a
receituários macroeconômicos para se redimirem de suas crises. O Chile do genocida Pinochet foi o tubo de
ensaio do receituário neoliberal com os “Chicago Boys” (dos quais o hoje
ministro Paulo Guedes é caudatário e dogmático defensor). Poucos anos após foi
estendido ao Reino Unido pela “Dama de Ferro” Margaret Thatcher e Ronald Reagan
no início dos anos 80.
Thatcher e Reagan acabaram com o estado de bem-estar-social |
Da teoria do “Consenso” surgiu a prática. Seus executores
tinham como objetivo a liberação econômica via privatizações a qualquer custo,
controle fiscal, desregulamentação da economia, livre comércio, corte de gastos
governamentais, arrocho salarial e fim de benefícios sociais para trabalhadores
em aquiescência ao mercado de capitais. A nova ordem mundial urgia que o
capitalismo laissez-faire assumisse a
forma neocololialista: diferente da que ocorrera no século XIX, agora se desenvolvem
não mercados específicos, físicos, mas seu oposto, cujo caráter evolutivo
assume a forma de bolha especulativa insuflada por dívidas bancárias (que
estourou na crise de 2008), uma economia mundial cada vez mais financeirizada
sem base real produtiva. Só capital que produz capital, não mais suscita bens
materiais de consumo ou industrial.
O thatcherismo pode ser considerado como pioneiro em taxar a
pobreza e acabar com benefícios sociais, seguido pelo reaganismo: aumento de
impostos e cortes de despesas estatais como saúde e previdência,
terceirizações, precarização das relações de produção, abertura de mercados
(não os seus, claro!), altos juros de mercado (especulativo) etc. Em outras palavras, tratou-se do ortodoxo
desmonte do Estado por governos de ocasião. TODOS os investimentos deveriam ser
canalizados para os interesses de empresas privadas, as quais apenas buscavam o
lucro, sem quaisquer aproximações com o social.
AO ARCOÍRIS SEGUE A TEMPESTADE. NA CRISE É CADA UM POR SI E
QUE O RESTO SE EXPLODA...
A pergunta é a que fica: por que os países da Comunidade
Europeia foram os mais atingidos, junto com as estatísticas norte-americanas?
Itália, Espanha, França e Reino Unido por lá, e os Estados Unidos por aqui. Precisamente foram os países que
implementaram os mais duros ajustes neoliberais em suas respectivas regiões! Os
EUA, a maior potência imperialista do planeta vem demonstrando total
incapacidade de encontrar soluções para a coronacrise de seu sistema de saúde
em sua ineficiência estrutural. Trump, havia pouco cortado inadvertidamente
verbas para os Centros de Controle de Doenças como medida de austeridade
antiestatal, importante divisão de saúde no combate a doenças infecciosas.
Trump agiu somente após milhares de mortes |
O senso comum coloca o sistema de saúde americano como um
exemplo para o mundo. Nada mais falso! Está incondicionalmente voltado para o
lucro, às companhias de seguro e à indústria farmacêutica, a big pharma. Em se tratando da população,
os resultados de assistência são no mínimo medíocres: não possui testes
necessários para diagnosticar o Covid-19; os pacientes que conseguem acesso ao
teste têm que pagar 3 mil dólares, situação que deveria ser gratuita, mas é
consequência de um Estado e seu regime político que fracassou. Todo o ônus da
crise é despejado sobre os ombros do povo trabalhador. Kimberley avalia que “O
alto preço dos cuidados de saúde é um impedimento para o trato de todas as
espécies de doenças. O homem a quem o establishment
do Partido Democrata quer que seja o próximo presidente alardeia que vetaria
qualquer esforço para proporcionar cuidados gratuitos de saúde para todos. Não
é de admirar que os americanos fiquem atrás em todas as medidas de boa saúde e
de pânico quando surge uma nova doença comunicável” [https://mronline.org/2020/03/12/freedom-rider-corona-virus-and-the-failed-american-state/].
Os ricos estão se refugiando em bunkers subterrâneos, como se estivessem sob a
ameaça de um bombardeio aéreo, enquanto a população das favelas morre à mingua...
O ultraneoliberalismo americano (Artigo XIII da Constituição),
[http://corvobranco.tripod.com/dwnl/constEUA.pdf]
faz um retorno à era da escravidão: coloca o seu imenso sistema prisional (o
maior do mundo, com negros e imigrantes na maioria) a confeccionar equipamentos
de proteção, ao invés de colocar empresas a desempenhar esta função em época de
pandemia. Concomitante, corta investimentos públicos, mas preserva seu regime
cimentado no lucro. Trump há algum tempo chamou os países mais próximo
geograficamente como “shithole countries”, ou seja, países buracos de merda [https://www.theatlantic.com/politics/archive/2019/01/shithole-countries/580054/],
revelando o quanto dá importância à colaboração com outras nações e seu caráter
eminentemente racista.
O despreparo e ineficiência das instituições americanas, nas
palavras de James Petras, “...estamos entrando numa depressão, não uma simples
recessão” [https://www.lahaine.org/mm_ss_mundo.php/estamos-ante-una-crisis-capitalista
]. À custa de muitas vidas, Trump admitiu a existência mortal do coronavírus no
país. Como foi dito em artigo anterior [https://inquietudegeral.blogspot.com/2020/03/coronacrise-fagulha-do-virus-acende.html],
a maior potência imperialista do mundo adota medidas de cunho medieval para
remediar erros políticos anteriores, a de isolamento social! A burguesia
plutocrática exige que o Estado agora assuma os prejuízos econômicos! Nova Iorque é o novo epicentro do surto do coronavírus, onde 50% dos testes confirmaram positivo para a doença (221 mil) segundo o The New York Times [https://www.nytimes.com/2020/04/14/us/coronavirus-updates.html#link-7edf39e3]
Importante frisar,
TODAS as grandes potências capitalistas, diferente do que a mídia corporativa
afirma, tratam de encontrar soluções por si mesmas, não há cooperação
interburguesias nacionais; ao contrário, praticam o bioterrorismo e a pirataria
para tomarem para si equipamentos de proteção. O lema é cada um por si.
INCAPACIDADE DO NEOLIBERALISMO GLOBAL E SEU MODO DE PRODUÇÃO
Algumas lições podemos abstrair a partir da atual crise.
Podemos afirmar que estamos diante do fim da globalização neoliberal nos marcos
em que vinha sendo praticado, uma vez que os EUA estão mergulhando em uma
depressão econômica sem precedente nos últimos 100 anos; a União Europeia
também se ressente do baixo dinamismo do comércio internacional. A infraestrutura
produtiva altera suas superestruturas: denota-se uma derrota ideológica do
liberalismo político e sua prédicas de consumo supérfluo ininterrupto e
crescente dentro da Humanidade. O princípio programático de consumo ad aeternum tem provocado profundos desequilíbrios
no ecossistema da Terra, imensa desigualdade social, precarização no sistema de
saúde em praticamente todos os países, nos quais pratica-se o descarte do ser
humano como principal força produtiva. Sobre esta condição humana, temos o
excelente artigo do historiador Achille Mbembe, quem atribui ao Estado
neoliberal a morte em massa de segregados assumido como método sistemático de
extermínio da pobreza pela necropolítica, das chamadas “massas supérfluas” [https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169].
A pandemia do coronavírus vem por colocar em evidência a
vulnerabilidade produtiva da atual sociedade capitalista nos moldes
ultraneoliberais. A decadência do império americano é o substrato desta
vulnerabilidade que o tem conduzido a uma crise de hegemonia enquanto motor
tecnológico do planeta. Por outro lado, enrijece seu poderio militar diante do
crescimento chinês e russo: fortalece o Comando Sul para conter influências
asiáticas na América Latina, organiza grupos de extrema direita mundo afora
(Steve Bannon e o escândalo da Cambridge Analytica) [https://oglobo.globo.com/mundo/as-figuras-chave-do-escandalo-da-cambridge-analytica-22512997]
e a lawfare contra inimigos
políticos.
De 2015 até os dias atuais, período de recessão mundial que
antecedeu à depressão e a pandemia, o marco da maioria dos países foi a
efetivação da aliança neoliberal com todos os tipos de fascismos, cuja
estratégia era exercer com mão de ferro o poderio econômico do capital
financeiro sobre a classe trabalhadora, deixando-a sem qualquer proteção
social.
Guedes é o representante da necropolítica no Brasil |
É o que vem ocorrendo no Brasil com a ascensão de uma “lumpenburguesia”
[https://inquietudegeral.blogspot.com/2017/05/lumpen-burgueses-dependurados-pelo.html]
desde a implementação do golpe institucional que apeou o governo Dilma Rousseff
do poder, colocando a figura asquerosa de Temer em seu lugar. O segundo mandato
do golpe, através do tragicômico e nefasto governo Bolsonaro, vem por
aprofundar a destruição das bases econômicas e despedaçar o que resta de Estado
minimamente social: impedimento de gastos sociais por 20 anos, reforma da
previdência e trabalhista, sucateamento da saúde (desmonte do SUS). As milhares
de vítimas provocadas pela pandemia são o fruto podre deste regime de
destruição e aniquilamento de direitos sociais. E estamos apenas no começo...
CARÁTER IMPERATIVO DE UMA ECONOMIA PLANIFICADA
Resta a dúvida, por que alguns países ou chegaram a uma
solução rápida à pandemia ou têm escassos casos na população? A reposta pode
ser complexa, mas pode ser resumida pela orientação política de seus
governantes. Vejamos um exemplo de alguém insuspeito em defender os países
capitalistas, o ex-presidente Jimmy Carter, que fez uma avaliação muito lúcida
acerca das razões que levaram os EUA à crise atual e o que o diferencia das
soluções da China, em diálogo com Trump: “Desde 1979, você sabe quantas vezes a
China esteve em guerra com alguém? Nenhuma. E nós ficamos em guerra. Os EUA ...
desfrutaram apenas 16 anos de paz em seus 242 anos de história, tornando o país
a nação mais bélica da história do mundo... gastaram, eu acho, US $ 3 trilhões
em gastos militares... A China não desperdiçou um único centavo em guerra, e é
por isso que eles estão à nossa frente. Em quase todos os aspectos” [https://www.newsweek.com/donald-trump-jimmy-carter-china-war-infrastructure-economy-trade-war-church-1396086?fbclid=IwAR1GJd7O5-8VkyemBmUwYRrkIi2AJ--M1dLAyUhRwndNqGwkx3W6wYSTvcU].
Enfim, todo projeto que esteja vinculado aos interesses do
lucro imediato, ou ao mundo neoliberal, estará fadado ao fracasso, com milhões
de vítimas inocentes da necropolítica. Muito se tem falado que o mundo depois
da pandemia será diferente. Não é bem assim, pois quem detém a propriedade dos
meios de produção ainda é a burguesia, o imperialismo. A tecnologia, o poder
militar de coerção ainda estão concentrados nas garras do Pentágono. Os rumos
tendenciais é que os países acabem por se fechar ainda mais em barreiras
alfandegárias, cada um defendendo seus interesses comerciais e, claro, os povos
ditos periféricos ficarão ainda mais espoliados e pobres, cabendo-lhes o papel
de exportadores de commodities de
baixo valor agregado. O pós-coronacrise
será indubitavelmente marcado por severas crises, desemprego em massa, as
desigualdades sociais estarão mais evidenciadas, a luta pela sobrevivência
adquirirá aspectos cada vez mais selvagens e brutais pelo lado do capital
financeiro, a taxa de mais-valia (exploração) sobre os trabalhadores atingirá
marcas históricas.
Mais do que nunca, uma sociedade baseada em economia
planejada a partir de seus trabalhadores é que tem possibilidades de êxito
diante de uma pandemia mundial de tal gravidade, onde se tenha o pleno controle
da produção e distribuição dos benefícios à maioria da população. E isto só
poderá acontecer sob um novo modo de produção que não o capitalista!
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