quarta-feira, 15 de abril de 2020

CORONAVÍRUS: Como o neoliberalismo forjou a crise da saúde pública mundial desde suas bases macroeconômicas


A
crise sistêmica pela qual o planeta, em seu modo capitalista de produção, está passando foi acionada pela disseminação do coronavírus, não é um fenômeno recente. É preciso entende-la em sua historicidade e ideologia. Trata-se do regime político-econômico surgido ao final dos anos 70 no Reino Unido e nos Estados Unidos como contraponto às economias planejadas do bloco soviético: o neoliberalismo. Despontou com o objetivo de minar o Estado provedor de bem-estar-social erigido no pós-guerra para conter o avanço da URSS (a responsável direta pela derrota nazista) na Europa e sua influência política mundo afora. Nos anos 80 os países do “bloco comunista” sob a égide do gorbachevismo começavam a agonizar, dado caráter parasitário de sua burocracia dirigente, enquanto o bloco capitalista investia mais e mais em protecionismos e no belicismo. O resultado não poderia ser outro senão o triunfo do grande capital monopólico sobre as economias planificadas sem o padrão dólar. O final da década de 80 prenunciava o fim da bipolarização do mundo (EUA versus URSS), com a reunificação capitalista da Alemanha (derrubada do Muro de Berlim por yuppies), marca indelével do processo contrarrevolucionário que dissolveu a URSS proclamado em dezembro de 1991.

NECESSIDADE DE ACABAR COM O ESTADO DE BEM-ESTAR-SOCIAL

O baluarte ideológico do neoliberalismo foi o chamado “Consenso de Washington”, quando diversos economistas definiram metas para países semicoloniais no ano de 1989, quando instituições financeiras reunidas em Washington DC, como o FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos definiram propósitos para “países em desenvolvimento”, sujeitando-os a receituários macroeconômicos para se redimirem de suas crises. O Chile do genocida Pinochet foi o tubo de ensaio do receituário neoliberal com os “Chicago Boys” (dos quais o hoje ministro Paulo Guedes é caudatário e dogmático defensor). Poucos anos após foi estendido ao Reino Unido pela “Dama de Ferro” Margaret Thatcher e Ronald Reagan no início dos anos 80.

Thatcher e Reagan acabaram com o estado de bem-estar-social
Da teoria do “Consenso” surgiu a prática. Seus executores tinham como objetivo a liberação econômica via privatizações a qualquer custo, controle fiscal, desregulamentação da economia, livre comércio, corte de gastos governamentais, arrocho salarial e fim de benefícios sociais para trabalhadores em aquiescência ao mercado de capitais. A nova ordem mundial urgia que o capitalismo laissez-faire assumisse a forma neocololialista: diferente da que ocorrera no século XIX, agora se desenvolvem não mercados específicos, físicos, mas seu oposto, cujo caráter evolutivo assume a forma de bolha especulativa insuflada por dívidas bancárias (que estourou na crise de 2008), uma economia mundial cada vez mais financeirizada sem base real produtiva. Só capital que produz capital, não mais suscita bens materiais de consumo ou industrial.

O thatcherismo pode ser considerado como pioneiro em taxar a pobreza e acabar com benefícios sociais, seguido pelo reaganismo: aumento de impostos e cortes de despesas estatais como saúde e previdência, terceirizações, precarização das relações de produção, abertura de mercados (não os seus, claro!), altos juros de mercado (especulativo) etc. Em outras palavras, tratou-se do ortodoxo desmonte do Estado por governos de ocasião. TODOS os investimentos deveriam ser canalizados para os interesses de empresas privadas, as quais apenas buscavam o lucro, sem quaisquer aproximações com o social.

AO ARCOÍRIS SEGUE A TEMPESTADE. NA CRISE É CADA UM POR SI E QUE O RESTO SE EXPLODA...

A pergunta é a que fica: por que os países da Comunidade Europeia foram os mais atingidos, junto com as estatísticas norte-americanas? Itália, Espanha, França e Reino Unido por lá, e os Estados Unidos por aqui. Precisamente foram os países que implementaram os mais duros ajustes neoliberais em suas respectivas regiões! Os EUA, a maior potência imperialista do planeta vem demonstrando total incapacidade de encontrar soluções para a coronacrise de seu sistema de saúde em sua ineficiência estrutural. Trump, havia pouco cortado inadvertidamente verbas para os Centros de Controle de Doenças como medida de austeridade antiestatal, importante divisão de saúde no combate a doenças infecciosas.

Trump agiu somente após milhares de mortes
O senso comum coloca o sistema de saúde americano como um exemplo para o mundo. Nada mais falso! Está incondicionalmente voltado para o lucro, às companhias de seguro e à indústria farmacêutica, a big pharma. Em se tratando da população, os resultados de assistência são no mínimo medíocres: não possui testes necessários para diagnosticar o Covid-19; os pacientes que conseguem acesso ao teste têm que pagar 3 mil dólares, situação que deveria ser gratuita, mas é consequência de um Estado e seu regime político que fracassou. Todo o ônus da crise é despejado sobre os ombros do povo trabalhador. Kimberley avalia que “O alto preço dos cuidados de saúde é um impedimento para o trato de todas as espécies de doenças. O homem a quem o establishment do Partido Democrata quer que seja o próximo presidente alardeia que vetaria qualquer esforço para proporcionar cuidados gratuitos de saúde para todos. Não é de admirar que os americanos fiquem atrás em todas as medidas de boa saúde e de pânico quando surge uma nova doença comunicável” [https://mronline.org/2020/03/12/freedom-rider-corona-virus-and-the-failed-american-state/]. Os ricos estão se refugiando em bunkers subterrâneos, como se estivessem sob a ameaça de um bombardeio aéreo, enquanto a população das favelas morre à mingua...

O ultraneoliberalismo americano (Artigo XIII da Constituição), [http://corvobranco.tripod.com/dwnl/constEUA.pdf] faz um retorno à era da escravidão: coloca o seu imenso sistema prisional (o maior do mundo, com negros e imigrantes na maioria) a confeccionar equipamentos de proteção, ao invés de colocar empresas a desempenhar esta função em época de pandemia. Concomitante, corta investimentos públicos, mas preserva seu regime cimentado no lucro. Trump há algum tempo chamou os países mais próximo geograficamente como “shithole countries”, ou seja, países buracos de merda [https://www.theatlantic.com/politics/archive/2019/01/shithole-countries/580054/], revelando o quanto dá importância à colaboração com outras nações e seu caráter eminentemente racista.

O despreparo e ineficiência das instituições americanas, nas palavras de James Petras, “...estamos entrando numa depressão, não uma simples recessão” [https://www.lahaine.org/mm_ss_mundo.php/estamos-ante-una-crisis-capitalista ]. À custa de muitas vidas, Trump admitiu a existência mortal do coronavírus no país. Como foi dito em artigo anterior [https://inquietudegeral.blogspot.com/2020/03/coronacrise-fagulha-do-virus-acende.html], a maior potência imperialista do mundo adota medidas de cunho medieval para remediar erros políticos anteriores, a de isolamento social! A burguesia plutocrática exige que o Estado agora assuma os prejuízos econômicos! Nova Iorque é o novo epicentro do surto do coronavírus, onde 50% dos testes confirmaram positivo para a doença (221 mil) segundo o The New York Times [https://www.nytimes.com/2020/04/14/us/coronavirus-updates.html#link-7edf39e3]

Importante frisar, TODAS as grandes potências capitalistas, diferente do que a mídia corporativa afirma, tratam de encontrar soluções por si mesmas, não há cooperação interburguesias nacionais; ao contrário, praticam o bioterrorismo e a pirataria para tomarem para si equipamentos de proteção. O lema é cada um por si.

INCAPACIDADE DO NEOLIBERALISMO GLOBAL E SEU MODO DE PRODUÇÃO

Algumas lições podemos abstrair a partir da atual crise. Podemos afirmar que estamos diante do fim da globalização neoliberal nos marcos em que vinha sendo praticado, uma vez que os EUA estão mergulhando em uma depressão econômica sem precedente nos últimos 100 anos; a União Europeia também se ressente do baixo dinamismo do comércio internacional. A infraestrutura produtiva altera suas superestruturas: denota-se uma derrota ideológica do liberalismo político e sua prédicas de consumo supérfluo ininterrupto e crescente dentro da Humanidade. O princípio programático de consumo ad aeternum tem provocado profundos desequilíbrios no ecossistema da Terra, imensa desigualdade social, precarização no sistema de saúde em praticamente todos os países, nos quais pratica-se o descarte do ser humano como principal força produtiva. Sobre esta condição humana, temos o excelente artigo do historiador Achille Mbembe, quem atribui ao Estado neoliberal a morte em massa de segregados assumido como método sistemático de extermínio da pobreza pela necropolítica, das chamadas “massas supérfluas” [https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169].

A pandemia do coronavírus vem por colocar em evidência a vulnerabilidade produtiva da atual sociedade capitalista nos moldes ultraneoliberais. A decadência do império americano é o substrato desta vulnerabilidade que o tem conduzido a uma crise de hegemonia enquanto motor tecnológico do planeta. Por outro lado, enrijece seu poderio militar diante do crescimento chinês e russo: fortalece o Comando Sul para conter influências asiáticas na América Latina, organiza grupos de extrema direita mundo afora (Steve Bannon e o escândalo da Cambridge Analytica) [https://oglobo.globo.com/mundo/as-figuras-chave-do-escandalo-da-cambridge-analytica-22512997] e a lawfare contra inimigos políticos.

De 2015 até os dias atuais, período de recessão mundial que antecedeu à depressão e a pandemia, o marco da maioria dos países foi a efetivação da aliança neoliberal com todos os tipos de fascismos, cuja estratégia era exercer com mão de ferro o poderio econômico do capital financeiro sobre a classe trabalhadora, deixando-a sem qualquer proteção social.

Guedes é o representante da necropolítica no Brasil
É o que vem ocorrendo no Brasil com a ascensão de uma “lumpenburguesia” [https://inquietudegeral.blogspot.com/2017/05/lumpen-burgueses-dependurados-pelo.html] desde a implementação do golpe institucional que apeou o governo Dilma Rousseff do poder, colocando a figura asquerosa de Temer em seu lugar. O segundo mandato do golpe, através do tragicômico e nefasto governo Bolsonaro, vem por aprofundar a destruição das bases econômicas e despedaçar o que resta de Estado minimamente social: impedimento de gastos sociais por 20 anos, reforma da previdência e trabalhista, sucateamento da saúde (desmonte do SUS). As milhares de vítimas provocadas pela pandemia são o fruto podre deste regime de destruição e aniquilamento de direitos sociais. E estamos apenas no começo...

CARÁTER IMPERATIVO DE UMA ECONOMIA PLANIFICADA

Resta a dúvida, por que alguns países ou chegaram a uma solução rápida à pandemia ou têm escassos casos na população? A reposta pode ser complexa, mas pode ser resumida pela orientação política de seus governantes. Vejamos um exemplo de alguém insuspeito em defender os países capitalistas, o ex-presidente Jimmy Carter, que fez uma avaliação muito lúcida acerca das razões que levaram os EUA à crise atual e o que o diferencia das soluções da China, em diálogo com Trump: “Desde 1979, você sabe quantas vezes a China esteve em guerra com alguém? Nenhuma. E nós ficamos em guerra. Os EUA ... desfrutaram apenas 16 anos de paz em seus 242 anos de história, tornando o país a nação mais bélica da história do mundo... gastaram, eu acho, US $ 3 trilhões em gastos militares... A China não desperdiçou um único centavo em guerra, e é por isso que eles estão à nossa frente. Em quase todos os aspectos” [https://www.newsweek.com/donald-trump-jimmy-carter-china-war-infrastructure-economy-trade-war-church-1396086?fbclid=IwAR1GJd7O5-8VkyemBmUwYRrkIi2AJ--M1dLAyUhRwndNqGwkx3W6wYSTvcU].

Enfim, todo projeto que esteja vinculado aos interesses do lucro imediato, ou ao mundo neoliberal, estará fadado ao fracasso, com milhões de vítimas inocentes da necropolítica. Muito se tem falado que o mundo depois da pandemia será diferente. Não é bem assim, pois quem detém a propriedade dos meios de produção ainda é a burguesia, o imperialismo. A tecnologia, o poder militar de coerção ainda estão concentrados nas garras do Pentágono. Os rumos tendenciais é que os países acabem por se fechar ainda mais em barreiras alfandegárias, cada um defendendo seus interesses comerciais e, claro, os povos ditos periféricos ficarão ainda mais espoliados e pobres, cabendo-lhes o papel de exportadores de commodities de baixo valor agregado. O pós-coronacrise será indubitavelmente marcado por severas crises, desemprego em massa, as desigualdades sociais estarão mais evidenciadas, a luta pela sobrevivência adquirirá aspectos cada vez mais selvagens e brutais pelo lado do capital financeiro, a taxa de mais-valia (exploração) sobre os trabalhadores atingirá marcas históricas.

Mais do que nunca, uma sociedade baseada em economia planejada a partir de seus trabalhadores é que tem possibilidades de êxito diante de uma pandemia mundial de tal gravidade, onde se tenha o pleno controle da produção e distribuição dos benefícios à maioria da população. E isto só poderá acontecer sob um novo modo de produção que não o capitalista!

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