domingo, 13 de março de 2022

GUERRA NA UCRÂNIA: a lógica da economia política imperialista e a nova guerra fria, mais quente que nunca

Neonazistas ucranianos com a bandeira da Otan combatendo a Rússia

Após analisar vários artigos científicos e textos jornalísticos acerca da guerra na Ucrânia provocada pelo expansionismo militar da Otan rumo ao leste europeu, podemos arrebatar algumas lições, embora ainda lacunares, mas que podem lançar novos olhares mais críticos sobre o que acontece no mundo real da guerra, dos desígnios da geopolítica e da luta pela hegemonia militar sobre todos os povos do planeta por parte do imperialismo estadunidense. Trata-se de algo que vai além das escaramuças de guerra, da luta de poder entre Estados: a economia política vigente no século XXI, a qual para atingir seus objetivos ressuscita o supremacismo branco da elite econômica capitaneada pela plutocracia americana eugenista, a fim de combater o “meliante” russo. Aqui, economia política na acepção que Marx lhe confere: a ciência do enriquecimento, as necessidades do Homem como algo essencialmente rentável*. O que está em jogo ao longo de várias décadas de contendas quentes e frias, são as guerras comerciais insufladas pelo departamento de Estado americano respondendo a demandas de suas oligarquias financistas.

A DISPUTA POR MERCADOS NO CENTRO DA BELIGERÂNCIA ESTADUNIDENSE

EUA e Rússia são os maiores produtores de gás natural do planeta, colocando a Europa como consumidora desta commoditie, tendo a Ucrânia como principal via dos gasodutos para o velho continente. Por esta razão, os estrategistas do Pentágono, além de insuflar a indústria da guerra em tempos de queda da taxa de lucro das empresas capitalistas (com exceção da Big Pharma), almejam tomar dos russos estes gasodutos e, assim, dominar a produção e distribuição do gás, concomitante reforçar o seu domínio militar absoluto sobre todas nações do mundo, somado ao poder econômico de mercado. Este é o cerne da questão: o controle do mercado mundial da indústria energética por parte de um capitalismo em sua fase terminal, o imperialismo, cujo método de ação é a conquista violenta de mercados a qualquer preço.

Não se trata, de modo algum, da disputa entre o “mundo democrático” do american way life versus o autoritarismo putinesco. Ora, Bush, Obama, Trump ou criaram ou se alinharam ao extremismo islâmico (Isis, Dash, Al Qaeda...), dão suporte ao Estado nazi-sionista de Israel, têm como parceiros as retrógradas e ditatoriais monarquias árabes. Para piorar, Biden aliou-se aos neonazistas ucranianos para enfrentar os russos. A guerra tem um só lado agressor: o imperialismo americano em busca de dominar o mercado mundial. A Rússia, apesar de seu potencial bélico, é um país ainda semicolonial após a diluição/destruição da URSS. Desde a política de socialismo em um só país alinhavada por Josef Stalin na década de 30 do século passado, o pragmatismo russo adotou a coexistência pacífica com o Ocidente: não me ataquem que eu não ataco! Mas atacaram!!!

A beligerância acontece porque no âmbito interno da política americana, três poderosas oligarquias dominam as estruturas do regime político de acordo com o economista norte-americano Michael Hudson: o Complexo Industrial Militar (FIRE: Raytheon, Boeing e Lockheed-Martin), o setor de extração de petróleo e gás (MIC: que compete com o russo) e o de Finanças, Seguros e Imóveis (OGAM: renda da terra), cuja sede é em Wall Street. “Os setores FIRE, MIC e OGAM são os três setores rentistas que dominam o capitalismo financeiro pós-industrial de hoje. Suas fortunas mútuas dispararam à medida que as ações da MIC e da OGAM aumentaram”1. Destes setores partem as iniciativas de guerra pelo mundo em busca de mercados eliminando mercados!

A Rússia, neste contexto, representa um obstáculo ao expansionismo imperialista dos plutocratas americanos e suas corporações e trustes, ao lado da China e Irã. Desta forma, o leste europeu, a Ucrânia não pode ficar sob a influência de países não alinhados. Os louros dos lucros devem afluir para os privatistas norte-americanos. A disputa por mercado é a razão da beligerância ianque.

Sob a chefia dos EUA, a Otan carrega de roldão os países europeus à guerra comercial, obrigando-os a comprar o gás dos americanos, não dos russos. O que por si só é elemento gerador de crise entre os países-membros, pois gasodutos são financiados por várias empresas europeias! Até antes da deflagração da guerra por parte de Biden, Alemanha e França, por exemplo, pagavam bilhões de dólares a Rússia. Doravante, para o império, isto tem que acabar, deixar de serem cativos dos russos.

OS LIMITES DAS SANÇÕES AMERICANAS À RÚSSIA

Eis o porquê dos EUA e seus consortes lambe-botas da mídia corporativa imporem o isolamento político da Rússia. Na realidade dura, implica boicote e sabotagem ao Nord Stream 22 (gasoduto que vai da Rússia até a Alemanha, passando por baixo do Mar Báltico), sumamente financiado por um consórcio de empresas europeias. Razão pela qual, as sanções exigidas por Biden dificilmente serão cumpridas contra os russos. A Alemanha em especial [ver figura acima], tem uma dependência significativa do gás natural russo: “Para a Alemanha, como o maior consumidor de gás da Europa, o novo gasoduto foi especialmente importante porque Angela Merkel confirmou que o país eliminaria a energia nuclear até 2022 e o carvão até 2038” (idem). O eixo franco-alemão tem muitas divergências com as imposições do governo americano, o que são fontes geradoras de crises futuras na ONU e Otan.

Um cientista político russo afirma que “As sanções dos EUA afetaram não tanto a Rússia, mas países terceiros que estão sob pressão de Washington… os nossos vizinhos europeus, que restringiram a maioria dos projetos de cooperação nas esferas científica, técnica e energética… afetaram os bancos comerciais chineses que operam na zona do dólar, que preferiram parar de atender clientes russos. O volume de negócios da Rússia com a UE e os EUA diminuiu naturalmente, enquanto com a China aumentou”3. A realidade vem demonstrando a ineficácia das sansões.

O significado da real guerra passa pela existência da economia política em pleno século XXI, ou seja, aquele pragmatismo bélico voltado para resultados econômicos de médio prazo: controlar as rotas de gasodutos de origem russa que alimentam a Europa como parte estratégica de submissão da região. Isto vem sendo instigado desde a chamada “revolução laranja” de 2004 e depois em 2014, quando o presidente ucraniano pró-Rússia fora deposto num golpe dirigido pela CIA e o Pentágono.

A atual guerra é a continuidade destes movimentos políticos por outros meios, como soe acontecer após os ataques às Torres Gêmeas em 2001, quando os neocons (ultraconservadores americanos) têm dominado o cenário da política externa dos Estados Unidos ao lado dos Hawks (Falcões do Pentágono). Como resultado temos a destruição total do Iraque, Líbia, Afeganistão, Síria e de quem por ventura se colocar contra o império.

A ÁGUIA ELEGE O URSO E O PANDA COMO SEU INIMIGO

O recado de Biden adonado da Otan e a lawfare é bem claro para o mundo: “O Kremlin teme uma OTAN forte, a aliança político-militar mais eficaz da história moderna. Para combater a agressão russa, devemos manter as capacidades militares da aliança afiadas, ao mesmo tempo em que expandimos sua capacidade de enfrentar ameaças não tradicionais, como corrupção armada, desinformação e roubo cibernético. Devemos impor custos reais à Rússia por suas violações das normas internacionais… contra o sistema autoritário cleptocrático do presidente Vladimir Putin”4. Neste artigo, China, Rússia, Irã são declarados inimigos, já por mim analisado5. A Ucrânia, mesmo não sendo membro oficial da Otan, recebeu no curso de vários anos imensa capacitação militar dos EUA6 (armas biológicas principalmente). 

Enfim, com a guerra posta, o cenário é de configuração de uma nova ordem mundial, uma nova geopolítica está sendo parida, doravante sob uma maior autossuficiência de Rússia e China perante as imposições dos EUA no cenário internacional e em meio a uma provável crise nos países europeus (os maiores prejudicados pelas sanções à Rússia). Considere-se que a Rússia ainda não lançou as suas contrapartidas, ou contra-sanções aos agressores, tais como estatizações de empresas estrangeiras, congelamento de ativos, não pagamento de dívida ativa etc. Nas palavras de Pepe Escobar, “A questão chave para o Sul Global digerir é que o ‘ocidente’ não está cometendo suicídio. O que temos aqui, essencialmente, são os Estados Unidos destruindo deliberadamente a indústria alemã e a economia europeia…”7. A Rússia, neste anátema de guerra, poderá sair como a grande vitoriosa e autossuficiente! 


Notas:                        

* “a necessidade do dinheiro é, por isso, a verdadeira necessidade produzida pela economia nacional e a única necessidade que ela produz”. (MARX, Karl. Manuscritos. 1844)

1 - [https://mronline.org/2022/02/28/america-defeats-germany-for-the-third-time-in-a-century/] Acesso em 12 de março/2022;

2 - [https://mondediplo.com/2021/05/09pipelines] Acesso em 12 de março/2022;

3 - [https://rentry.co/sanctions-and-sovereignty] Acesso em 12 de março/2022;

4 - [https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-01-23/why-america-must-lead-again] Acesso em 12 de março/2022;

5 - [https://inquietudegeral.blogspot.com/2021/08/estados-unidos-fogem-do-afeganistao-uma.html] Acesso em 12 de março/2022;

6 - [para maiores informações https://ensinarhistoria.com.br/russia-x-ucrania-as-multiplas-faces-de-uma-guerra/?fbclid=IwAR1hWIJECjBpr9zPJ_c5BWNy_ZawXA3RFLWZdHn7NNjX7mr8xwJD1ThBYCM] Acesso em 12 de março/2022;

7 - [https://thecradle.co/Article/columns/7672] Acesso em 12 de março/2022.